“Esperei anos por isso, João!”

“Esperei anos por isso, João!”

Nesta segunda feira, 17, vi um dos momentos mais marcantes para mim na manifestação que levou 30 mil pessoas às ruas. Lembro que vi os olhos do Hemerson Morais, que fazia a cobertura fotográfica da manifestação comigo, ficarem vermelhos e vi sua boca tremer. Ele estava chocado, estava emocionado, estava chorando, no momento em que uma chuva de papel picado saudava os manifestantes no centro da cidade. Ele dizia para mim “esperei anos por isso, João”, enquanto espremia os dedos contra os seus olhos, emocionado ao ver o povo nas ruas.

Às 7:30 da manhã, o clima tenso já era visível em BH. As pessoas pareciam receosas. Creio eu que elas já sabiam do protesto que iria acontecer logo mais à tarde. Ao chegar à Praça Sete, ponto de encontro dos manifestantes, percebi que aquilo seria bem diferente da outra  manifestação que ocorreu no último sábado, 15. Tudo parecia maior, a quantidade de manifestantes, a determinação deles, o grito, tudo.

Fui ao encontro do meu colega de trabalho para que começássemos a nossa cobertura fotográfica. No começo foi um pouco difícil, pois ainda não havia uma organização por parte deles e muitos estavam entusiasmados. Tive a ideia de entrar em um dos prédios comerciais do centro e tentar tirar algumas fotos da sacada. Ao chegar à sacada, fiquei ainda mais impressionado com a quantidade de pessoas na manifestação. Mineiro é conhecido por comer quieto e ali estava a prova que não é bem assim. Milhares de pessoas se reuniam em volta da praça e elas só queriam uma coisa: serem ouvidas.

A passeata começou e eu ainda estava no prédio. Foi um corre-corre, pois não poderia perder nenhum momento. Depois de alguns quarteirões, consegui chegar na frente deles. Hemerson, avistou uma árvore na avenida Afonso Pena e sugeriu que eu subisse nela, afinal uma foto do alto seria bem melhor para registrar a amplitude da manifestação.

A partir daí, foi como se eu estivesse em um camarote e não era carnaval. As pessoas trocaram as alegorias por cartazes e gritavam bem alto os gritos de protesto. Ali não havia repressão ou censura, ali era a voz do povo. Depois de um tempo, desci , levando alguns belos arranhões, e segui o rumo da passeata.

As pessoas pararam em frente à Praça da Rodoviária e ali a concentração dos manifestantes só aumentava. Pequenos papéis começaram a cair dos prédios altos da redondeza e as pessoas começaram a ovacionar cada vez mais alto.

Chegando ao Viaduto da Lagoinha, me separei de meu companheiro de trabalho e segui em rumo diferente. A sensação de liberdade tomava conta de mim e de todos. Eu andava livremente em um dos maiores viadutos de BH, que todos os dias ficam abarrotados de carro e ônibus, mas ali só existíamos nós. Continuei com a cobertura fotográfica, cada hora era algo diferente. Se não era um cartaz, era um grito de protesto ou uma tribo diferente.

Caminhamos e os manifestantes prosseguiam entoando diversas frases ao som de uma turma que tocava tambores e apitos. Os manifestantes não pareciam nem um pouco cansados, ao contrario de mim. Eu estava correndo entre uma ladeira e outra para conseguir fotos mais panorâmicas. A solução foi subir em um viaduto em frente ao IAPI e fotografar aquela multidão que cada vez ia chegando mais perto e gritando “desce, pedreira”, fazendo referência ao aglomerado ali perto.

Ao longo do percurso, pequenas paradas para que as pessoas que vinham por ultimo não ficassem muito para trás. E aconteceu tudo que não podia acontecer com um fotógrafo: minha bateria acabou. Tentei conversar com alguns outros fotógrafos para que eles pudessem emprestar uma bateria, mas é claro que todos só tinham uma. Resolvi continuar acompanhado, mas agora registrava tudo na minha cabeça.

Ao chegar ao bairro Nova Cachoeirinha, os manifestantes se encontraram com o cordão da PM, que impedia a passagem deles.  Os moradores da redondeza saíram de suas casas e foram para rua ver o grande movimento. Algumas soltaram fogos de artifícios e levantaram cartazes a favor do protesto. Durante este período, transitei  por todos os lados da manifestação. Fui no meio, aos lados e na linha de frente. Ali percebi que tinha ficado de fora do grupo da imprensa que fazia a cobertura atrás do cordão policial. Tentei argumentar com um dos policiais para que eu pudesse atravessar e me juntar aos outros fotógrafos, mas não obtive sucesso.

O clima ali na frente começou a esquentar. Na verdade, as pessoas que estavam na frente se destacavam muito dos outros manifestantes, gritando que iriam avançar e que “protesto sem sangue não é protesto”. Os líderes e organizadores tentavam acalmar os ânimos desses manifestantes gritando “sem violência” e logo depois sendo ouvido o grito em coro.

A polícia cedeu e a passeata continuou rumo ao Mineirão.  Nesta hora, o sol começava a se por e eu começava a deduzir que aquilo ira render até à noite. O cansaço bateu e as minhas pernas começaram a pesar. Encontrei com um professor da faculdade que sugeriu que eu voltasse com ele de táxi. Logo pensei: “obrigado, Deus!”.

Deixei a manifestação de corpo, mas em mente parecia que eu ainda estava lá. O assunto dentro do táxi era a manifestação. O assunto nos ônibus parados no corredor era a manifestação. O assunto no Brasil inteiro era as manifestações.

Ao chegar na redação do jornal, recebi a noticia que a policia havia entrado em confronto com os manifestantes e que o clima estava pesado. Sinceramente não acreditei de primeira, mas quando me lembrei do aquele pequeno grupo que gritava “protesto sem sangue não é protesto”, me toquei que manifestantes sem foco talvez pudessem levar todo um ato pacifico  a se tornar um show de horrores.

 

Por João Alves

Foto: João Alves

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