Por Eduarda Boaventura e Pedro Soares 

“A festa Dengue foi muito legal, comemorando seus 10 anos de marco, muita tradição, do vogue no Brasil, especificamente em Belo Horizonte onde que começou no nosso país. Como sempre foi bem alegre, animado, as pessoas gostam de estar ali e ver. Fico encantada com as possibilidades de improviso que as pessoas têm e como, mesmo sendo um duelo, não parece ser uma competição. É muito bonito ver a reciprocidade que as pessoas têm umas com as outras.”

Essa fala foi de Ana Clara Souza, que participou de umas das maiores referências de Ballroom no Brasil, a Dengue. Você já ouviu falar do Ballroom? E da cultura do vogue? Vogue não só da música da Madonna mas de toda uma história de luta e pertencimento. Uma comemoração por um grupo excluído que finalmente achou seu lugar em uma sociedade tão julgadora e maldosa.

De acordo com o google, a Ballroom é descrita como “um movimento político e de entretenimento que celebra a diversidade de gênero, sexualidade e raça, eventos nos quais as pessoas se reúnem e performam categorias e ganham prêmios por elas”

Criado por drag queens negras e latinas nos EUA no final da década de 80 e início da década de 90, a cultura Ballroom surgiu como meio de refúgio para pessoas que naquela época sofriam não só com a homofobia, mas também com o racismo e xenofobia. Uma personagem muito importante pela luta contra os padrões raciais no mundo da Ballroom foi a Crystal Labeija, que além de drag queen era uma mulher trans negra, que se revoltou e, criou o primeiro baile exclusivo para queens negras e foi a pioneira em fazer um ball feito por uma house.

Foto/Divulgação: Chantal Regnault/Alma Preta
Houses e Balls

Essa cultura é dividida pelas houses e as ball, onde a primeira, assim como sua tradução, são as casas dos participantes, em todos os sentidos. As houses é onde se encontra o acolhimento e pertencem a uma família, com a mesma hierarquia: mothers e fathers, principalmente nesta época em que muitos jovens eram expulsos de casa e se sentiam envergonhados pelas pessoas com quem conviviam. As balls são espaços para celebrar a beleza que tanto foi marginalizada, admirar o que era comum esconder, criando um ambiente único para aqueles que se sentiam diferentes do restante da sociedade.

Na Ballroom, não é só uma competição relacionada à moda e dança, é muito mais do que só o seu “jeito de se vestir” ou sua forma de performar, e sim de como você quer se mostrar ao mundo. Um ball é além de uma festa convencional, onde se tem as competições sendo as mais famosas o Runway (categoria de desfile), Face (rosto mais expressivo), Best Dressed (melhor caracterização) e Sex Siren (avalia a sexualidade dos participantes).


Ball Vera Verão. Foto/Divulgação: Instagram.
Dengue, umas das pioneiras na América Latina

Em 17 de junho, aconteceu o evento que foi descrito no início da reportagem, a Dengue, um fenômeno que esse ano está comemorando seu décimo evento. A festa é umas das pioneiras da cena vogue na América Latina e coloca Belo Horizonte como a capital nacional da dança em um cenário antes inimaginável. A capital mineira é referência quando se fala do Ballroom, com um crescimento forte e a cultura já sendo conhecida fora da bolha que antigamente tinha, não restringindo a quem pode assistir e enaltecer sua riqueza.   

Aqui em Belo Horizonte, a cultura Ballroom ganha vida em 2013, através desta mesma festa, que acontecia em um espaço de arte colaborativa que tem como objetivo difundir a arte contemporânea. O ‘Espaço Cultural Gruta’ pode ser chamado de berço da Ballroom em BH e fica localizado no bairro Horto.

A Dengue não é uma house, mas sim uma ball, que acontece mensalmente. Cada uma das festas tem um tema diferente, e cada edição é marcante para os participantes de formas distintas. Para Iara, de 24 anos, é considerado o nascimento de seu alter ego Amerikana.

“Eu considero que o aniversário da Amerikana é no Halloween.”

Amerikana para o Halloween da festa Eleganza. Foto: Instagram/Divulgação.

Esse foi o tema de sua primeira participação em uma categoria em uma ball, que inclusive foi coroada com a vitória.

Disputas de voguing

Com a popularização da Dengue e a expansão das disputas de voguing, dois anos depois surgiu o BH Vogue Fever, organizado pelo Trio Lipstick (Maria Teresa Moreira, Paula Zaidan e Raquel Parreira). O festival promoveu workshops com referências internacionais da dança voguing e trouxe influências diretas da ‘ballroom scene’, como é chamada em Nova York.

A organização do festival chamou a atenção de toda a comunidade vogue do Brasil e também atraiu olhares internacionais, principalmente após confirmarem a presença de Archie Burnett, conhecido como “Grandfather” da House of Ninja é considerado uma das maiores lendas do vogue mundial. Ele também é um dos responsáveis por essa cultura acontecer em BH, já que é padrinho do Trio Lipstick.

Archie foi um dos motivos do sucesso do evento, fazendo com que dançarinos de diversos lugares do Brasil e da América Latina estivessem presentes na capital do estado, que tem 42% dos eleitores conservadores. Em entrevista para o jornal O Tempo, Maria Teresa Moreira, uma das fundadoras do Trio Lipstick, comenta sobre esse grito de resistência que é a Ballroom. 

“Acho fantástico que isso aconteça logo em nosso Estado, terra da tradicional família mineira, onde ainda há muito conservadorismo. Porque o vogue é esse grito, essa vontade de se expressar e exigir respeito.”

Trio Lipstick. Paula Zaidan, Quel Parreira e Tete Moreira. Foto: Instagram/Divulgação.
Capital do vogue

Em 2019, a festa Dengue deixou de ter uma sede fixa, levando seus eventos para diversos lugares diferentes da capital mineira, como o Sesc Palladium, Galpão Cine Horto, Casa Matriz, Mineirão, Parque Municipal, Viaduto Santa Tereza, Praça da Liberdade, FIT – Festival Internacional de Teatro, Virada Cultural, entre outros. Essa descentralização da festa, somada ao sucesso do BH Vogue Fever, fez com que a cultura se expandisse cada vez mais na capital, ecoando ainda mais alto esse grito de resistência.

Após tanto sucesso nos eventos realizados aqui e ao alto nível de engajamento na comunidade brasileira, Belo Horizonte começou a ser chamada de capital do vogue. Para celebrar ainda mais esse grupo de pessoas, no mês de junho deste ano, em que a festa Dengue comemora seus dez anos de existência, o Memorial Vale anunciou a festa e uma série de programações como parte do memorial, apoiando a realização da festa e uma série de workshops e oficinas gratuitas.

NO COMMENTS

Leave a Reply