As inspirações no dia do compositor

As inspirações no dia do compositor

Foto: Débora Oliveira

Música, seja instrumental ou letrada, precisa de composição. Para isso existe o compositor, responsável pela idealização e criação musical, que hoje, 7, tem seu dia marcado no calendário brasileiro. Ele pode ser um profissional contratado para a função ou alguém que, num momento de criatividade, transcreveu para o papel ideias ou ideais.

A banda belo-horizotina Ledjembergs, entrevistada pelo Contramão em maio deste ano, é formada pelos amigos Adriano Queiroga, Lucas Ucá e Rafael Costa Val. Em um trecho da entrevista que não foi ao ar, eles respondem sobre a relação entre as composições de duas músicas do repertório do grupo, Invernos Amanhã e Aviso aos Navegantes. Ambas as músicas falam de mar e, em trechos, se assemelham. Sai pra navegar, depois avisa o mar.“. Areia e sol, areia e mar, se não está aqui pra navegar, eu não entendo…“. O mar está sempre presente. O mar das ideias, por exemplo. A gente, como uma banda, de certa forma, vai formando um organismo que navega por esse mar de ideais, de possibilidades e acaba que, juntos, formamos um instrumento de navegação.“, afirma Lucas Ucá. O músico também reitera o quê misterioso do mar e o quanto ele é aberto a referências musicais. Ele é tão sábio que as “carapuças vão servindo, ele está sempre presente na vida das pessoas, afinal, as ondas são sonoras e a vida vem da água, né?“, finaliza.

Foto: Carlos Henrique Reinesch Photography
Foto: Carlos Henrique Reinesch Photography

Para Adriano Queiroga, o mar sempre esteve ligado ao imaginário humano. Está ligado numa questão das forças, das correntes marítimas, numa questão da natureza, em que analisamos o quanto o ser-humano é pequeno e está à deriva.“. O navegar está relacionado a nossa viagem dentro da nave e do barco Ledjembergs., completa. Nós gostamos muito de poesia, de escrever, então metáforas como essas são muito bem-vindas, porque a gente não quer “só” fazer a mensagem musical: é combinar as duas coisas (música e letra) e potencializar em palavra e em som. Se elas se casarem o poder é maior e exponencial.” , compara.

Reveja a entrevista:

Sem querer ser catártico, eu não acredito em dom” – entrevista com Fábio Martins

Fábio Martins, 24, nasceu em Três Corações/MG e mora em Belo Horizonte desde 2008. Faz parte de um duo de cordas com Rainer Miranda (guitarra barroca e viola caipira) chamado Al’Gazarr e toca violão e guitarrón argentino. Sem querer ser catártico, mas eu não acredito em dom. A ideia de uma dádiva não condiz muito com a experiência de aprendizado.“, afirma Martins.

Foto: Débora Oliveira
Foto: Débora Oliveira

1 – Como começou seu dom para composições? Ele é antigo? Você compões com frequência ou existem momentos em que a criatividade aflora e, neles, você consegue?

Não me coloco como prodígio, mas minha experiência com a música, como ouvinte, é longa. Cresci em uma família musical, em que todos, apesar de amadores, tocavam alguma coisa. Nas reuniões de fim de ano era comum juntarmos dois ou três violões, alguns instrumentos de percussão e passarmos horas tocando e cantando. Eu, no entanto, sempre fui desautorizado a tocar,  ainda que eu fosse profundamente interessado em aprender alguma coisa sobre violão (meu instrumento predileto, desde essa época).

Somente aos 9 anos de idade eu tive a minha primeira experiência com violão de maneira autônoma. Foi até uma história engraçada, por que tudo foi feito de maneira extremamente intuitiva: descobri um violão velho e de uma corda só, escondido num armário na casa de meu avô. Estiquei a corda o quanto pude, até achar que a afinação deveria ser aquela; liguei a TV e procurei uma música qualquer em algum canal. Me deparei com um clipe do Black Sabbath pra música Iron Man. O clipe acabou, a tarde passou e só depois de muito tempo eu consegui, com alguma dificuldade, concluir o riff de 5 notas.

Acho que o estopim pro início da minha experiência como tocador foi esse. Como compositor, acho que não demorou  muito até que as coisas começassem a acontecer. Tive meu primeiro instrumento (com seus 30 anos de uso anterior) somente aos 15 anos e antes disso eu valorizava qualquer oportunidade de contato com um instrumento de cordas. Sempre compunha alguma frase, graças à falta de tempo pra aprendizado de qualquer melodia. Em suma, a falta de oportunidade para aprender uma música, unida à falta de um instrumento me pôs como única solução viável a composição. A experiência da música como tocador era sempre restrita e associada a outras pessoas, não havendo alternativa pra mim senão a iniciativa autoral.“.

2 – Para você, qual a ocasião propícia para compor? Existe algum lugar ou situação que acaba fazendo com que suas letras saiam com mais facilidade?

Dos 15 aos 24 eu me dediquei muito mais a compor música instrumental do que a interpretar. Aprender um tema gestado por outras mãos sem que eu pudesse alterar minimamente uma harmonia sempre foi uma experiência incômoda. Não pela demora, pela exigência de mergulhar profundamente na composição e entendê-la em sua completude; isso, apesar do meu semi-analfabetismo musical (sou profundamente ignorante em notação), nunca foi um problema. Tenho predileção pela falta de amarras quando o assunto é interpretar: admiro imensamente quem possa tocar, por exemplo, uma composição de Bach sem sair um cisco da métrica, mas essa não é a minha maneira de tocar. Por ser visceral, minha relação com os instrumentos sempre desencadeia uma experiência tortuosa.

Quando falei, logo no início, que não acredito em dom, dizia-o por que não vejo força no argumento de que a composição seja uma experiência absolutamente solitária. Desacredito completamente dos autores puros, dos gênios, dos homens e mulheres de inúmeras dádivas. Antes disso,  penso que estamos sempre sob a penumbra de um ente mais forte que nos influencia. Essa influência se aflora nos momentos em que compomos.

Tirado de cena o autor-puro, acho que dá pra gente começar a falar do meu tempo de composição: não acho que um arranjo de notas, com um determinado ritmo e embalado por uma dada harmonia venham feito um bloco de concreto de dentro de mim e caiam nesse mundo já prontos. Penso em outra direção: às vezes a experiência de gestar uma música é tão angustiante que exigir não mais que 4 horas pra acontecer; em outras circunstâncias, eu já cheguei a ficar 3 meses procurando uma solução pra uma composição empacada; outras são tocadas uma ou duas vezes e depois se perdem. O que quero dizer é que não há condição propícia pra composição por que, pelo menos comigo, ela acontece a todo momento, quer eu esteja acompanhado de um violão ou não.

Pode haver quem se sinta mais à vontade pra compor sentado em uma cadeira confortável, com água fresca, sendo massageado, etc. Eu lido com o violão e o guitarrón no nível da necessidade e segundo uma estética tremendamente mundana: independentemente do sentimento, do clima, da hora do dia e das minhas tarefas eu preciso encostar diariamente nos meus instrumentos. Eles são veículos da minha capacidade de expressão e eu, pra eles, sou a matriz energética e quem quer os ver ressoar.

Meu grande problema é decidir como uma música deve acabar: qual dos 10 desfechos pensados funciona melhor, quantas repetições de um determinado trecho, quais serão as emoções mais ressaltadas durante a execução…todos estes problemas não me animam muito. Me anima, verdadeiramente, tocar e pra mim tocar sempre  é uma maneira de compor.

Soundcloud Fábio: https://soundcloud.com/fabio_omartins
Soundcloud Al’Gazarr: https://soundcloud.com/al-gazarr
Site Fábio: https://fabiomartins.art.br
Site Al’Gazarr: https://algazarr.com.br
Agenda de shows:
22/10: Botucatu/SP
27/12: Irapuru/SP (aguardando confirmação).

Por Gabriel Peixoto

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