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Por Tales Ciel

Ainda me lembro de quando vi a minha primeira parada gay. Vi pela janela do carro; vi, porque participar eu jamais iria. Lembro-me de pensar “ainda bem que não sou eu”, para muitas das ações incabíveis que estavam fazendo – dois homens que se gostam beijando? O sacrilégio! Mal sabia o pequeno eu o que essa frase iria fazer. Às vezes ainda penso no que poderia ter sido se não tivesse sido doutrinado assim, se não tivesse negado tanto, se não teria começado a perceber mais cedo e me poupado de ter que ir no ritmo que a pandemia me permite, mas sei que não vale à pena ficar pensando nisso. Antes tarde do que nunca, é o que dizem.

Para muitas juventudes LGBTQ+, a percepção de que algo está “errado”, incomodando, começa bem cedo. Para outros ela vem mais devagar, aos pouquinhos. Se é algo do destino ou do subconsciente não tem como dizer e pode ser que seja um pouco dos dois, porque tem pessoas que precisam de mais tempo que outras para entender algo que deveria ser apenas mais uma faceta de existir. Mas o medo, ele nos para, faz com que enxerguemos esses pequenos fatos e condições como errôneos e ruins, com que esses seres humanos que são diferentes – pois é apenas isso que somos, diferentes do “padrão” – se odiarem tanto por dentro, até não acreditarem que merecem viver. Que podem ter uma vida normal, um emprego, uma pessoa para amar. Faz um garotinho olhando duas pessoas que se amam pela janela do carro agradecer por não ser como eles.

E é um absurdo pensar que condicionamos o nosso direito de existir nos padrões que um grupo alheio de pessoas seguem. Que temos que justificar com evidências e provas, um slide de 100 e mais páginas e um estudo de 60 anos o porquê merecemos viver. É uma noção retrógada, nociva e cruel, que muitos não param para perceber. Especialmente num tempo em que os números e fatos que deveriam estar sendo levados em consideração é, talvez, o primeiro lugar que o Brasil ocupa mundialmente no assassinato de pessoas transgêneros ou a relação de uma morte por homofobia a cada 16 horas. Tanto que quando invertemos as cartas, há muitas mais evidências de que nenhum dos que nos subjugam podem provar porquê não podemos, porquê somos “errados”.

Em quase todas as espécies de animais no planeta há a presença de todos as cores do arco-íris, por exemplo existem casais de leões, pinguins, elefantes e muito mais, homoafetivos. Até mesmo nas plantas, com árvores que trocam entre serem do sexo feminino e masculino sem motivação ou interferência externa, apenas o fazem. Sexualidade, gênero e identidade são coisas que fazem parte da mãe natureza e, por extensão, fazem parte da natureza humana. Talvez o problema não seja quem somos, talvez não seja quem amamos, como no chamamos ou queremos vestir. Talvez, o problema não sejamos nós, não seja o menino gay que agradece por não ser o que, na verdade, é. Talvez, o problema seja o medo que aprendemos a ter.

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Crédito: Isabel Baldoni/ PBH

Por Bianca Morais

18 de maio é comemorado no Brasil o Dia da Luta Antimanicomial. A data é uma homenagem à constante batalha pelos direitos das pessoas com sofrimento mental. No decorrer dos anos, todos aqueles indivíduos com doenças mentais eram excluídos da sociedade e internados em hospitais psiquiátricos, os manicômios, onde eram isolados da convivência social e submetidos a diversos tratamentos desumanos. 

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Acontece que, por muito tempo, os pacientes com transtornos mentais tiveram seus direitos a viver em sociedade privados por um conselho médico que acreditava em intervenções grotescas como tratamento.

Hoje em dia muito se escuta falar em questões de saúde mental. Ao longo da pandemia o isolamento social tem sido uma das medidas de proteção à disseminação do vírus, e muitos sentem na pele que a privação da liberdade e do contato humano é bastante prejudicial à mente. Se já é ruim para alguém viver isolado em casa, imagine para as pessoas presas em hospícios, sem conforto e respeito.

O mês de maio é de conscientização e aprendizagem sobre uma luta que está longe de acabar. O Jornal Contramão trás hoje uma reportagem especial que conta a história desse movimento que, apesar de anos de batalha, ainda está distante de terminar.

 

O precursor do movimento

Franco Basaglia, foi um italiano, nascido na cidade de Veneza em 1924. Seu nome ficou conhecido em todo o mundo como o psiquiatra precursor da reforma do sistema de saúde mental. Quando se fala em reforma psiquiátrica é entendido a mudança feita em um sistema autoritário de saúde.

O psiquiatra trabalhou, durante a década de 1960, como diretor do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, local onde testemunhou o que há de pior no tratamento a pacientes, eram abusos, violências e negligências. Em determinado momento, o médico com toda sua experiência na área percebeu que a internação e o isolamento daqueles pacientes servia apenas para piorar a condição dos enfermos e não de ajudá-los, por isso, o médico junto a equipe do hospital, fizeram mudanças práticas e teóricas nas intervenções dadas aos doentes, prática que ficou conhecida como “negação a psiquiatria”.

Com suas ideias, Basaglia revolucionou um sistema que por anos torturava doentes com transtornos mentais, substituiu sofrimento por humanização, converteu os corpos usados como objetos de intervenção médica e os transformou em parte da sociedade.

O médico italiano promoveu uma rede de atendimentos solidária, inclusiva e libertária, propôs atendimentos terapêuticos em centros de convivência, aproximou os pacientes das famílias e da comunidade. Sua pequena revolução começou ali e mais tarde, em 1968, Basaglia publicou o livro “A instituição negada” onde revelou detalhes de seu método. 

Em 1973, após reformular o tratamento psiquiátrico em Gorizia, ele seguiu para o Hospital Psiquiátrico de Trieste, que posteriormente virou modelo para reformulação do sistema psiquiátrico do Brasil e do mundo.

Franco Basaglia foi o pioneiro na defesa aos direitos humanos e conquista da cidadania dos que carregam transtornos mentais. Pela primeira vez na história começava a se levantar uma bandeira de manicômios como instituições produtoras de exclusão social.

 

A história da reforma do sistema psiquiátrico brasileiro

No Brasil, a luta antimanicomial teve início no final dos anos 70, o país vivia o período da ditadura militar com um governo autoritário. Na época, muitos movimentos cresceram, entre eles, o Movimento Antimanicomial que estava ligado à Reforma Sanitária Brasileira, que resultou na criação do SUS.

Motivados pela revolta com o sistema nacional de assistência psiquiátrica que praticava tortura, fraudes e corrupções, profissionais da saúde reivindicaram melhores condições de trabalho, aumento salarial, faziam criticas as internações nos hospícios e ao uso de eletrochoque nos pacientes e demandavam melhorias na assistência a população e a humanização dos serviços. 

O manifesto desses trabalhadores ficou conhecido como Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) o qual deu início a uma greve que durou oito meses no ano de 1978. Houve grande repercussão na mídia e a partir dali iniciaram grandes discussões políticas acerca do campo da saúde mental, o que sucedeu em diversos congressos e manifestações. 

O movimento cresceu e passou a contar com a participação da associação de usuários, familiares, instituições acadêmicas, e outros segmentos da sociedade. Para além de denunciar os maus tratos dentro dos hospitais psiquiátricos, eles queriam a construção de uma rede de serviços e estratégias, queriam garantir a inserção daqueles doentes na sociedade, buscavam tratamento justo e correto.

Ao longo desse processo, destacou-se a vinda ao Brasil de Franco Basaglia, ele que tanto revolucionou o sistema psiquiátrico da Itália e do mundo, participou do I Congresso Brasileiro de Psicanálise de grupos e instituições no Rio de Janeiro. O MTSM tinha grandes referências do médico em seus ideais, desse modo, sua vinda resultou em um fortalecimento do movimento e várias reflexões. 

Foi em 18 de maio de 1987, em um encontro com grupos a favor das políticas antimanicomiais, que veio a proposta da reforma do sistema psiquiátrico brasileiro. Entre os tópicos abordados, dizia uma maior participação das famílias no tratamento dos enfermos, a conscientização da população que os transtornos mentais não são uma ameaça e que essas pessoas não precisam ser isoladas do convívio público. 

O maior apelo da reforma era a proibição da construção de hospitais psiquiátricos e a substituição deles por atendimentos psicológicos, alternativas menos invasivas. Substituir a forma progressiva por serviços comunitários. Todas essas pessoas estavam unidas por um único lema: uma sociedade sem manicômios.

Nesse encontro foi redigido o Manifesto de Bauru, que denunciou os abusos feitos nos hospícios. Então em 1889, deu-se abertura a tramitação de uma das grandes conquistas do movimento antimanicomial, a lei n°10.216, que apenas foi promulgada em 2001 e garantiu os direitos dos pacientes com transtornos mentais a receberem intervenções menos invasivas e dando prioridade a tratamentos de reinserção na família, no trabalho e na comunidade.

A partir dessa lei, que começou a ser reivindicada nos anos 70 e demorou anos para ser finalmente publicada, diversas portarias passaram a ser criadas para a regulamentação e execução de serviços que garantem a atenção às pessoas com sofrimento mental.

 

As melhorias após a reforma

Com a Lei n°10.216, também conhecida como Lei Paulo Delgado, houve um redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental. Nesse novo sistema tiveram maiores investimentos em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UAs) leitos de atenção integral (em hospitais gerais, nos CAPS), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e os Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam), alternativas para o modelo manicomial. Tiveram, além disso, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que substitui a internação em asilos.

Os CAPS, são oferecidos de forma gratuita em unidades regionais. Neles são oferecidos tratamentos intensivos e atendimentos diários com o propósito de reinserir o paciente. Caso haja necessidade de internação, é o CAPS que direciona o enfermo para os leitos de saúde mental em hospitais que oferecem a internação a curto prazo.

Com a lei, o internamento apenas pode ser feito caso o enfermo represente alto risco e através da autorização dos doentes ou de sua família. O procedimento ocorre por meio de um laudo médico que deve ser encaminhado ao Ministério Público, informando a internação e depois sobre a alta.

Pautado em liberdade, respeito, dignidade e autonomia do paciente com sofrimento mental, a nova política mudou e muito a atenção dada a essa parcela da sociedade por muitos anos tão discriminada, isso graças ao resultado da incansável luta pelos direitos desse grupo.

 

O retrocesso na luta

A reforma psiquiátrica deu voz ao enfermo e à sua família, inclusive força para lutar contra os abusos do sistema. A batalha ainda está longe do fim, o Brasil ainda tem muitos hospitais psiquiátricos e leitos sem previsão de serem fechados, no entanto, o verdadeiro retrocesso começou no final do governo de Dilma Rousseff.

Entenda

O retrocesso dessa luta tão sofrida teve início ainda no governo Dilma, quando se credenciaram as chamadas “comunidades terapêuticas”, entre elas estavam instituições religiosas, asilares, manicomiais, ambas com uma concepção arcaica em relação aos transtornos mentais e uma visão moralista e religiosa.

Em 2016, no governo Temer, o regresso continuou com a diminuição dos recursos direcionados aos Centros de Atenção Psicossocial, e aumento do financiamento das comunidades terapêuticas, de manicômios psiquiátricos tradicionais e a redução dos espaços de participação social.

Atualmente, no governo Bolsonaro a situação não melhorou, essas presidenciais tem reincorporado os manicômios às políticas nacionais de saúde. É como se todos eles, Dilma, Temer e Bolsonaro estivessem jogando anos de luta de profissionais da saúde no lixo. Isolamento e religião não são a cura para a loucura. Compreender doenças como depressão, transtornos bipolares e vícios em drogas e álcool, é dar a oportunidade e conforto aos doentes.

A luta antimanicomial é também uma luta democrática, onde não se encaixam padrões retrógrados. Em dezembro de 2020, o ministério da saúde sinalizou cortes em programas de saúde mental, numa reunião com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e as Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), foi proposto revogar cerca de 100 portarias editadas entre 1991 e 2014. A tentativa não foi efetivada, mas levantou o protesto de muitos sobre a importância de defender a Política Nacional de Saúde Mental.

“Cuidar é promover vida. Prender é promover morte”. Esse é um dos gritos da luta que precisou se reacender nos últimos anos. 18 de maio é data para relembrar a luta travada há anos, para o avanço de serviços de saúde abertos para além dos muros de hospícios.

 

Especialista

Caroline Lança – Psicóloga

 

Caroline Lança, 27 anos, é psicóloga, além de seu consultório particular ela atua no Centro de Atenção Psicossocial, o CAPS 2, na cidade de Ibirité, Minas Gerais. O CAPS, como vimos anteriormente, é o substituto dos hospitais psiquiátricos. Caroline recebe diariamente pessoas com sofrimento mental e que estão com alguma urgência ou emergência psiquiátrica, como um paciente em crise psicótica, de ansiedade, pânico, ou até mesmo um surto psicótico, que é aquele onde o paciente tem uma primeira aparição de um transtorno mental. No CAPS, a profissional da saúde também recebe pacientes que sofreram tentativa de autoextermínio ou que estão com ideação suicida.

“O CAPS é de portas abertas, ou seja qualquer pessoa pode procurar pelo serviço, o ideal é que seja do município em que reside. Em Belo Horizonte temos o Centro de Referência em Saúde Mental, os CERSAMS, que também recebem esse público”,  conta ela.

Na capital, as internações quando necessárias ou são feitas em algum CAPS que funcionam 24 horas e tem leito de internação ou no hospital Raul Soares que é hoje uma referência no estado e é o único hospital público psiquiátrico que ainda existe. O Galba Veloso foi fechado no ano passado.

Em entrevista ao Jornal Contramão, a psicóloga compartilha seu conhecimento na delicada área dos tratamento das pessoas com transtornos mentais.

 

Quem são os pacientes com sofrimento mental? Quais são as principais doenças que os afligem e qual o comportamento deles?

Difícil citar as doenças, o sofrimento mental abrange variados transtornos. Recebemos tratamento para paciente com quadro de esquizofrenia, bipolaridade, ansiedade, depressão, dependência química… O sofrimento mental não tem perfil e pode atingir qualquer pessoa.

 

Na sua opinião, quais são os mais importantes avanços na luta antimanicomial?

Os avanços alcançados pela luta antimanicomial foram o fechamento dos manicômios, a elaboração do tratamento humanizado para os pacientes, a criação de uma rede de tratamento gratuita pelo SUS, composto por dispositivos no território do sujeito, com profissionais capacitados, medicação e internações curtas.

Atualmente, a tentativa é tratar o paciente dentro de sua singularidade. O tratamento é discutido e elaborado em equipe, com a família quando possível, e com a participação do próprio paciente.

 

E o que você acha que ainda falta ser alcançado?

Falta muita coisa ainda e a gente luta por melhores condições. Acho que falta interesse dos nossos governantes, olhar para essas pessoas ainda como pessoas. A saúde ela não é prioridade, nós já sabemos disso. Vivemos um momento, uma pandemia e ela nunca foi prioridade e muito menos a saúde mental, então falta material nos CAPS, nas oficinas, as vezes falta medicação gratuita, falta lugar, um serviço mais organizado, um serviço com uma estrutura física melhor. 

 

O que geralmente é oferecido pelas redes de atenção à saúde mental?

Os CAPS oferecem atendimento psicológico, psiquiátrico, orientação com serviço social, atendimento aos familiares, oficinas, medicação oral e injetável.

Refeições, transporte, internação de curto prazo.

Visita domiciliar quando necessário. 

No CAPS AD (álcool e outras drogas) há um tratamento voltado para a dependência química.

Centro de convivência:

Espaço onde o paciente da saúde mental pode passar o dia e participar de oficinas com artesãos e artistas contratados da prefeitura. 

Muitos pacientes fazem da arte uma fonte de renda (mosaico, trabalhos em argila, costura…)

 

Na atenção básica – posto de saúde:

Atendimento psicológico e psiquiátrico. Medicação oral e injetável. Orientação com serviço social e aos familiares. 

Visita domiciliar aos pacientes.

Também há grupos de cessação de tabagismo no posto de saúde. 

 

Hospital psiquiátrico:

Internações, oficinas, atendimento psicológico e psiquiátrico, atendimento à família. Administração de medicações. 

As internações aqui são mais direcionadas para pacientes que residem em municípios que ainda não apresentam os serviços substitutivos (CAPS, CAPS AD e CAPS I infantil).

 

Por que você acha que esses recentes governos acreditam que uma volta dos manicômios seja algo positivo?

Acredito que na política, muitos governantes não acreditam na rede como tratamento possível e eficaz. O crescimento dessas instituições se deve ao também crescimento da dependência química no país e diferente do SUS, a única abordagem possível é a abstinência.  

No SUS, trabalhamos com a abstinência, mas também na orientação da redução de danos, que consiste na substituição ou redução da droga, sem julgamentos ou tentativa de que todos respondam ao tratamento da mesma forma.

Outro ponto é o crescimento do conservadorismo no país. Sabemos que a maioria das comunidades terapêuticas são religiosas.

 

Como profissional da saúde, qual sua opinião sobre as comunidades terapêuticas?

A maioria dessas comunidades são religiosas, muitas não têm profissionais de saúde e apresentam um tratamento muito semelhante ao manicômio, que é um tratamento pelo trabalho e pela moral, então quanto mais você trabalha, mais você vai ficar bom. Nesse sistema, não existe um problema psiquiátrico mental, existe uma pessoa que está à toa precisando ocupar sua mente. 

Essas comunidades terapêuticas, assim como os manicômios, são isoladas, podem observar que são em lugares distantes, de difícil acesso, eles restringem o acesso da família ao paciente. 

Geralmente já interna estipulando um número de dias e meses que o paciente deve ficar ali, algumas determinam nove meses até mais de um ano, não tem uma discussão de caso a caso, de cada paciente, é uma generalização de todos, assim como no manicômio. Não existe espaço para singularidade, individualidade, para pessoa, existe um todo.

É um tratamento que tem que ser feito para todos de bom modo, não tem uma leitura individual de cada paciente e das suas demandas particulares. Alguns estipulam que nos três primeiros meses os pacientes não podem ter contato com os familiares apenas através de ligação, então é muito semelhante. 

Nós temos inúmeras denúncias recentes de comunidades terapêuticas que violam os direitos humanos mesmo. Nós estamos com chances das comunidades terapêuticas passarem a receber adolescentes, menores de idade, hoje uma criança ou adolescente para ficar internada, que é o último caso, ela precisa de um acompanhante o tempo todo com ela, o que no caso das comunidades terapêuticas isso provavelmente isso não vai acontecer. É extremamente complicado ser depositado dinheiro nesses lugares, para quem defende a luta antimanicomial, a reforma psiquiátrica, nós não entendemos as comunidades terapêuticas como um lugar realmente de tratamento, um lugar que podemos confiar em colocar nossos pacientes, mas infelizmente isso tem sido uma realidade.

 

Você acha que a pandemia tem causado um impacto na luta antimanicomial, pela diminuição de determinados atendimentos à saúde?

Acredito que a pandemia causa impacto na luta antimanicomial por ser um dificultador no diálogo dos profissionais e dos serviços substitutivos. Nesse momento, estaríamos nos preparando para o desfile, havíamos participado de reuniões e discutido avanços e recuos nas políticas. 

Durante os momentos mais críticos da pandemia, os atendimentos foram reduzidos nos serviços de urgência e na atenção básica, fato este que impacta na saúde mental dos indivíduos e no acesso ao tratamento, objetivos claros da luta antimanicomial. 

Vale lembrar que no ano de 2020 perdemos investimento na saúde mental, com o fim do NASF (núcleo de apoio à saúde da família), composto por equipes com psicólogo, assistente social, profissional de educação física, fisioterapeuta, nutricionista, dentre outros profissionais.

 

O que o dia 18 de maio representa para você, uma psicóloga engajada nessa luta? 

O 18 de maio representa liberdade, representa muito, fico muito emocionada. Desde que eu conheci a data durante a formação, ainda na faculdade, eu vou todo ano, infelizmente ano passado e esse ano não vai ter, no desfile. É um carnaval na cidade, é maravilhoso, a gente se concentra na Praça da Liberdade, tem trio elétrico, tem rainha de bateria. O último, em 2019, a rainha foi a Crystal, que é uma transexual mulher negra de Belo Horizonte, uma figura que muitas pessoas já conhecem, ela foi a nossa rainha de bateria. Tem blocos, cada bloco tem um tema. Os CAPS definem qual bloco eles querem entrar, e aí são CAPS de Minas inteiro que vem aqui para a Praça da Liberdade. Tem a ala infantil, a penúltima ala infantil foi Alice no País sem manicômios, foi lindo, os menininhos vestidos de Alice, chapeleiro, mágico,  gato, coelho, foi muito bonito. Nas oficinas no Caps são confeccionadas as roupas para 18 de maio. Tem o samba enredo quem faz são os próprios pacientes que frequentam os Caps. E é muito bonito e uma forma de trazer visibilidade, porque quando a gente passa com aquelas pessoas, causa um estranhamento na cidade, as pessoas ficam chocadas sem entender. Incomodados, como que o louco pode circular em sociedade. As pessoas não querem ver o louco, as pessoas se incomodam com a loucura, e o louco ele deve circular na sociedade, ele não deve ficar trancafiado, ele tem o direito como qualquer outra pessoa de circular, de socializar, de fazer o que ele quiser. É interessante ver o estranhamento, alguns perguntam: “o que é isso, o que está acontecendo”, outros fecham a cara, outros xingam, mas nós paramos o trânsito, paramos a cidade, para mesmo porque a gente desce da Praça da Liberdade até a Praça da Estação parando o trânsito, fazendo questão de parar, de causar um transtornos para que as pessoas possam ver e ouvir que nós não iremos aceitar manicômios nunca mais.

A luta antimanicomial está distante do fim, o sistema já quebrou vários de seus problemas como os hospitais psiquiátricos e internamentos forçados, porém o tabu está longe de acabar. A ideia de que essas pessoas são perigosas, violentas e representam um perigo à sociedade ainda é disseminado e é necessário acabar com ele com urgência. Existe tratamento, é indispensável quebrar os estigmas e espalhar informação correta. Conhecimento é tudo.

A reforma psiquiátrica foi uma resposta à luta manicomial. Liberdade é direito humano. Manicômios nunca devem ser a primeira opção, amor e carinho devem substituir tortura e pacientes dopados. A luta não pode parar, vamos juntos usar esse 18 de maio para levar entendimento sobre o assunto.

Em um passado nem tão distante, pessoas com transtornos mentais recebiam atendimentos desumanos e em hospitais psiquiátricos. Por eles, por todos aqueles internados com ou sem transtornos mentais, que muitas vezes eram colocados naqueles lugares apenas para serem afastados da convivência social, o que acontecia muito no período da ditadura, os presos políticos. É por eles e também os que morreram na miséria dos hospícios que esse 18 de maio não pode ser passado batido, esses não podem ser esquecidos.   

 

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Projeto de Extensão promove a diversidade e inclusão nos espaços acadêmico e social

*Italo Charles especial para o Contramão

Respeito, liberdade e sobrevivência são alguns aspectos que marcam a vida das pessoas LGBTQAIP+ em todo mundo. Hoje, 17 de maio, é celebrado o Dia Internacional da Luta contra a LGBTfobia.

A data foi criada em 2004, referência ao dia em que Organização das Nações Unidas (ONU), em 1990, retirou a Homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), desde então o termo homossexualismo deixou de ser considerado.

Entretanto, no Brasil, a data só foi incluída no calendário oficial em 2010, através do Decreto Federal de 4 de junho (daquele ano) sancionado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Para a população LGBTQIA+ o dia 17 de maio não é somente para celebração, a data também tem o objetivo de chamar atenção para o combante ao preconceito, discriminação e a violência que sofrem os gays, as lésbicas, bissexuais, as pessoas transexuais, travestis, não binárias entre outras. 

Vale ressaltar que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIAP+ no mundo, sobretudo trans e travestis. Segundo o boletim de violência da Associação Nacional de Travestis (ANTRA), em 2020 foram registrados 175 assassinatos contra pessoas trans e travestis.

Outro dado importante é a estimativa de vida de pessoas trans e travestis que não passam de 35 anos. Mas claro, para além de todas as estatísticas, a população LGBTQIA+ diariamente enfrenta obstáculos em busca da sobrevivência e respeito.

Una-se contra a LGBTfobia

Há dez anos, iniciava um projeto de extensão com o objetivo de promover uma cultura de respeito aos direitos humanos e à diversidade sexual e de gênero dentro do ambiente universitário.

O Una-se contra a LGBTfobia — Projeto de extensão do Centro Universitário  Una — foi idealizado e coordenado pelo jornalista e professor, Roberto Reis. Segundo Roberto, o intuito era criar um espaço que acolhesse pessoas LGBTQIAP+ e, sobretudo, desenvolvesse formação cidadã em conjunto a formação profissional.

Ao longo dos 10 anos de projeto, várias ações foram realizadas, como palestras, rodas de conversas, cobertura das Paradas LGBTQIAP+ de Belo Horizonte e Contagem. 

Visto que, inicialmente, o Una-se Contra a LGBTfobia tinha o intuito de promover as ações dentro do ambiente acadêmico, o projeto teve grande repercussão e se tornou referência ganhando o Prêmio Direitos Humanos e Cidadania LGBT.

Uma das grandes ações que o Una-se promoveu, foi levar a gestão da universidade a proposta de inclusão do nome social, um grande marco que levou o nome da Una como um dos primeiros Centros Universitários a aderir. 

Para o coordenador, o projeto surgiu como um propósito de vida, uma vez que a pauta LGBTQIAP+ sempre esteve presente na sua vida pessoal e profissional. “O projeto alinha muito com meu propósito de vida, eu sempre quis mudar o mundo, fazer parte de algo que mudaria o mundo. Hoje eu vejo o quanto o Una-se cresceu, conseguimos trazer mais presença, com o tempo obtivemos mais pessoas trans e pessoas com deficiência para explorar a temática LGTBQIAP+ ”, comenta Roberto Reis.

Roberto Reis – Coordenador do Una-se

Depoimentos

Jacson Dias – Cinema e Audiovisual 

“O Una-se  é o projeto que me trouxe a consciência no meu lugar no mundo, tudo que sei e hoje uso no meu trabalho tem um pouco do UNA-Se. Vida longa a esse projeto tão importante para sociedade como um todo!”.

 

Felipe Bueno – Jornalista

“Quando o professor Roberto Reis idealizou o projeto Una-se, em 2011, vivíamos uma expectativa muito grande em relação aos direitos de LGBTQs e equiparação da união homoafetiva ao casamento civil, que se tornou possível a partir do reconhecimento do Supremo Tribunal Federal naquele ano. A partir de então, as temáticas de diversidade sexual ganharam cada vez mais espaço dentro do debate nacional. Paralelo a isso, houve uma crescente reação conservadora, por parte de grupos políticos, aos anseios das minorias. A luta se intensificou para que direitos fossem mantidos e espaços conquistados. Tudo isso só reafirmou a necessidade de nos posicionarmos sempre, de afirmar uma identidade. 

Eu participei do projeto de extensão como voluntário em seu surgimento. E, embora o seu propósito fosse contribuir para a minha formação em jornalismo e levantar discussões dentro e fora do ambiente acadêmico, a partir do Una-se eu adquiri autoestima, força, orgulho e me senti, realmente, dentro de uma comunidade, acolhido. Hoje, ao olhar para trás, vejo com orgulho o que foi construído. Eu me sinto grato por tudo que aprendi com os professores envolvidos, em especial o Roberto. E acredito que tenha deixado minha contribuição também. O projeto ainda me acompanha, trouxe sentido à minha carreira e vida. Eu desejo que este importante trabalho cresça e alcance ainda mais pessoas”.

 

Débora Gomes – Jornalista

“Participei do Una-se bem no comecinho. Eu era estudante do curso de jornalismo e o projeto, além de me mostrar na prática o dia a dia da profissão – com reportagens, entrevistas, produção de fotografias e matérias -, também me ensinou muito sobre respeito, diversidade e afeto. Lembro até hoje da primeira vez que filmamos na rua, o receio e a alegria que acompanham os aprendizados andaram juntinhos.  O Roberto Reis, que conduzia o grupo de alunos do Una-se, sempre foi, pra mim, um grande exemplo de pessoa e profissional. Aprendi bastante com ele e tenho muito orgulho em ter feito parte dos primeiros passos do “Una-se”.

 

Bárbara Andrade – Jornalista

“O Una-se é um projeto lindo que prega o respeito, a empatia, luta por direitos e ensina muito. Participar dos primeiros passos do Una-se foi muito engrandecedor!

Projetos como este são capazes de mudar para melhor a vida de muita gente! E, saber que com o passar dos anos, o Una-se ganhou mais força e visibilidade é incrível. Parabéns a todos os envolvidos nesta história tão especial”.

 

Ruth Pires – Psicologia

“O Una-se chegou pra mim em um momento muito importante, logo quando começou a pandemia. E tem um significado muito importante na construção da minha identidade em relação à população LGBTIAP+. Lá eu pude experimentar, debater sobre os diversos temas e me entender melhor enquanto mulher negra lésbica.

 

João Brasil – Psicologia

“Participo do Una-se desde maio de 2020, quando recebi um convite para participar do ‘primeiro evento digital do projeto’. Era uma roda de conversa com relatos e experiências de pessoas que integraram o projeto ao longo da sua existência. Foi amor à primeira vista!

Logo procurei a coordenação para saber como participar e mostrei tanto interesse que uma semana depois, já estava conduzindo uma roda de conversa sobre relacionamentos homoafetivos.

Por muito tempo, a minha orientação sexual não foi tema fácil para mim. Mas, já vinha há alguns anos me desconstruindo e descobrindo como a vida pode ser mais leve quando se é livre.

Considero a minha entrada no Una-se como a “cereja do bolo” nesse processo. Ter este compromisso, poder me conectar com a comunidade, dialogar, estudar, aprender e conviver tem me fortalecido cada vez mais”.

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Por Bianca Morais

Em comemoração ao mês das mães, o Contramão produziu uma série de matérias muito especiais e hoje é dia da história de Roberta e Brenda, mãe e filha que são inseparáveis e passaram por um processo de superação depois que uma delas descobriu o câncer. 

Brenda Ferraz Leal Lucas tem 24 anos e a mãe Roberta Ferraz Lucas, 47. Roberta engravidou muito jovem e foi mãe solo, por isso, criou vínculo bem próximo e intenso com a filha. A Brenda, segundo palavras da própria mãe, é uma garota com qualidades ímpares e o que mais admira nela é a força e a lealdade.

A relação das duas vai além da materna. “Trabalhamos juntas, estudamos juntas e saímos juntas. Eu sempre brinco com isto, estava difícil achar uma boa amiga, então eu fiz uma”, diz a mãe.

Brenda e Roberta – arquivo pessoal

Quando se formou no ensino médio, Brenda demorou cerca de um ano para decidir qual instituição de ensinoescolher. Roberta, como mãe e amiga, sempre aconselhou a filha escolher para sua vida o que ela realmente ama. E foi com os sábios conselhos dela que a jovem ingressou no curso de Direito no Centro Universitário Una.

“Escolhi a Una e com toda certeza foi uma das melhores escolhas da minha vida. Sou fã n°1 de todo o corpo docente e a maior prova é que levei o grande amor da minha vida para a faculdade”, explica Brenda.

Já se percebe que o termo “inseparáveis” para essa dupla não é uma mera forma de falar. Sim, no auge dos seus 43 anos, influenciada pela filha e mais disposta do que nunca, Roberta também resolveu ingressar no curso de Psicologia. “Sempre estudei muito sobre o assunto, nos livros, através de vídeos na internet, sou uma apaixonada por Freud. Foi quando minha filha me disse: vá buscar o seu diploma, duvido que alguém já estudou mais sobre Psicologia que você”.

E foi assim que a insistente Brenda conseguiu convencer a mãe a estudar na mesma instituição. 

“Minha filha é uma apaixonada pela Una, assim que entrou ficou fazendo a minha cabeça para entrar também. Falou tanto que resolvi ir ver, deixei claro que só faria se fosse psicologia, não tinha o curso. Por incrível que pareça dentro de 10 dias a Una lançou o curso. Óbvio que ela não iria perder a chance de me cobrar novamente, então entrei”. 

Não existe dúvidas que quando algo é para ser, assim será. E foi o destino que se encarregou de colocar mãe e filha nos mesmos corredores da faculdade com um propósito que apenas algum tempo depois elas entenderiam.

Arquivo pessoal

No quarto período da faculdade, Roberta foi diagnosticada com câncer de mama, um dos momentos mais difíceis de sua vida. “Meu mundo caiu, mas sou uma daquelas pessoas que não desiste nunca. Em vez de pensar: Por que eu?  Pensei: Por que não eu? Passada uma semana já estava pronta para encarar a batalha”, relembra.

Mãe é aquela que protege e cuida do seu filho. Que dá a vida por ele se necessário. Em determinadas situações, no entanto, a mãe passa por problemas na vida que não consegue tomar o controle da situação, e certamente elas não se sentem confortáveis com isso. 

Roberta contou à nossa reportagem que teve um dos piores tipos de câncer, o inflamatório e triplo negativo, o médico disse que apenas 30% sobreviviam, e o mais surpreendente é em nenhum momento seu maior medo foi a doença ou o tratamento, esse ela garante que conseguiu levar de forma tranquila, principalmente por fazer psicologia e acreditar muito no poder da mente. 

Na hora em que recebeu a notícia do câncer a sua maior preocupação era “Como iria morrer e deixar a Brenda? Esse foi o meu medo, deixar minha filha”.

Em um primeiro instante, a filha apenas tinha ido ao médico para acompanhar a mãe. “O primeiro médico falou que era apenas uma mastite, a gente iria aproveitar o dia para comprar um óculos. O médico vira e diz: “Tenho uma péssima notícia, é câncer”, relata Roberta.

Para Brenda, o momento da descoberta foi a pior dor que já sentiu na vida, no segundo ela entendeu que teria que ser a pessoa mais forte do mundo para estar ao lado da mãe. Roberta relata que a filha teve uma reação incrível e inimaginável. “Ela pegou o telefone e começou as ligações para marcar exames, desconheço alguém mais forte que Brenda”.

Existem horas na vida de um filho que ele se vê na responsabilidade de inverter o papel com a mãe ou o pai. Brenda é jovem, jamais havia cogitado que sua mãe, aquela mulher que lhe ensinou a ser forte e dona si, poderia ser vítima de uma doença tão triste, mas entendeu que precisava tomar o controle da situação e estar ali para quem sempre lutou por ela. “Naquele momento eu só não queria que ela sofresse. Tentei evitar tudo que pudesse machucá-la”.

Roberta e Brenda são carne e unha. Nas palavras de Brenda “é como se fosse uma parte de mim fora de mim. Só me sinto completa ao lado dela”. No decorrer de toda a trajetória do tratamento do câncer uma deu força a outra, as duas levavam os livros para as sessões de quimioterapia e estudavam juntas, a mãe passando mal nas aulas e a filha sempre nos corredores a apoiando. 

Roberta cogitou parar os estudos pois tinha medo de continuar à toa. “E se eu morresse? Mas logo mudei de ideia, eu iria viver, meus professores e amigos da Una foram fantásticos, os meus professores e os professores da Brenda. Tive total apoio”.

Arquivo Pessoal

Duas fortalezas, uma não deixou a outra desmoronar. Brenda estava no seu 5° período de Direito e carrega consigo o dever de ser inabalável. “Eu realmente precisava ser forte como a minha mãe para poder estar sempre apoiando. Nessa época, o mundo parou para mim, tudo girava em torno de ser forte e de protegê-la”. E a mãe, por mais que estivesse batalhando pela vida, jamais baixou a guarda, “Tive que me fazer forte para não a ver cair”.

A relação mãe e filha ganha uma dimensão fora do comum quando se trata dessas duas. A forma como uma nunca deixou a outra desistir e a importância do apoio da filha foi fundamental para que a mãe não perdesse as esperanças. “Não teria conseguido sem ela”, afirma Roberta.

Durante a rotina do tratamento, Roberta relata não ter tido muitos problemas. “Estudei, trabalhei de uma forma mais lenta, mas consegui fazer tudo. Brenda nunca arredou o pé de perto de mim”. Juntas as duas passaram por momentos de muita batalha, foi a filha que cortou os cabelos da mãe. “Foi um momento tenso, mas aproveitamos para fazer vários cortes”. Uma fortalecia a outra, e conseguiam enxergar mesmo nesse período tão puxado uma luz de possibilidades.

O momento da cura foi para as duas o mais marcante do caminho que traçaram juntas. “O dia que a médica, a nossa Dra. Fernandinha, disse que deu tudo certo, foi um dia mágico, um dos dias mais felizes da minha vida”, relembra Brenda.

Roberta sempre foi uma mulher de garra, e a positividade foi um dos elementos que a ajudou na luta contra o cancer. “Hoje eu tenho a certeza da morte, antes nem parava para imaginar isto. Tendo a certeza da morte, você vive mais. Quando a morte para de ser algo distante, você entende a necessidade do agora. Você aprende a curtir momentos simples, cafés, abraços. E toma consciência da finitude”. 

Para Roberta, a filha é seu maior orgulho. “Consegui deixar uma boa pessoa para o mundo, ela irá fazer a diferença”, orgulha-se a mãe.

Para Brenda, a mãe é sinônimo de vida, se orgulha da força e coragem que vê diariamente nela. “Eu sou eternamente grata a Deus por ter me escolhido para ser filha de uma mulher tão fantástica e excepcional. Nunca consegui expressar em palavras meu amor e admiração, mas espero poder demonstrar com gestos ao longo da minha vida. Todos vão dizer que tem a melhor mãe do mundo… Eu tenho a mãe, a irmã, a amiga, a conselheira, tudo isso na mesma pessoa”.

 

Edição: Daniela Reis

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Por Daniela Reis 

O TBT de hoje é uma viagem pela história lá na década de 60. O chamado Maio de 1968 é um conjunto de eventos e manifestações que aconteceram pelo mundo e que tiveram início em uma universidade nas proximidades de Paris. Os fatos de maio de 1968 também ficaram internacionalmente conhecidos por terem motivado a continuidade de movimentos revolucionários em outras partes do mundo.

A onda de protestos começou pela busca de reformas no setor educacional, mas cresceu tanto que evoluiu para uma greve de trabalhadores que balançou o governo do então presidente da França, Charles De Gaulle. 

Contexto Histórico 

Como muitos sabem, os conflitos mundiais ocuparam quase toda a primeira metade do século XX. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) aterrorizou o mundo e, apesar de não ser possível à época imaginar um cenário pior, um conflito ainda mais violento e de proporções inimagináveis deixou a humanidade desconsolada: a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nesse sentido, as duas grandes guerras fortaleceram o pessimismo global de um terceiro conflito trágico para todos.

Não é a toa que no contexto da Guerra Fria (1947-1991), durante o auge do enfrentamento ideológico entre os Estados Unidos e a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), houveram mais momentos em que uma nova guerra traumática parecia novamente estar muito próxima.

Essa sensação de insegurança bem como os fatos ocorridos eram vistos como fruto da insensatez humana proporcionada pelos adultos da época e representou o início da insatisfação dos jovens estudantes.

Neste cenário, divisões profundas começaram a acontecer. Os protagonistas daquela geração estavam em confronto aberto com os valores dominantes da sociedade, que não mais representavam suas ideias, vontades e visões de mundo.

Pelo Mundo

Maio de 1968 disseminou no mundo diversos ideais. Nos EUA, fortaleceu o movimento pela defesa dos direitos civis dos negros, de mulheres e de homossexuais e a revolta negro-americana depois do assassinato de Martin Luther King Jr.

As lutas também se desenvolveram no país no contexto da rejeição à Guerra do Vietnã. Afinal, em várias universidades, era denunciado o recrutamento de estudantes em projetos de pesquisa encomendadas por fornecedores de material bélico e por isso se questionava o papel acadêmico no fortalecimento da indústria bélica-militar.

Já na América Latina se conectou a luta dos estudantes e dos trabalhadores. Por exemplo no México, tais grupos reivindicavam por mudanças políticas no país, que desde 1929 estava nas mãos do PRI (Partido Revolucionário Institucional). As mobilizações chegaram a reunir mais de 180 mil pessoas reivindicando por maiores liberdades civis e a punição de casos de repressão policial.

No Brasil

Foi exatamente nesse período que o movimento estudantil universitário brasileiro se transformou em um importante foco de mobilização social. Sua força sucedeu-se da capacidade de mobilizar expressivos contingentes de estudantes para participarem da vida política do país. 

Porém, por aqui, a questão ia muito além, já que vivíamos em plena Ditadura Militar e jovens e estudantes já se organizavam em protestos contra o governo. O que muitos historiadores dizem é que maio de 68 no Brasil não foi um mês, mas um ano. 

 

Edição: Bianca Morais 

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Ilustração: Tawany Santos

Tawany Santos

O preconceito linguístico está atrelado às diferenças dentro de um mesmo idioma, e se revela quando um indivíduo acredita que seu modo de falar é superior ao de indivíduos de outra regionalidade ou classe social. Não se respeitam, assim, as variações linguísticas de sotaque ou regionalismo, as características de dialetos e as gírias, dentre outras diferenças ligadas a determinados grupos.

Em um país multicultural como o nosso, a prática desse tipo de preconceito é algo frequente. Muitas vezes, a linguagem usada na região centro-sul do país é imposta como padrão, e acaba utilizada, pelos preconceituosos, como motivação ao desrespeito às outras formas de falar. Esse tipo desrespeito, recentemente, foi acompanhado, em rede nacional, em um programa de grande audiência.

No Big Brother Brasil, a participante Karol Conká, junto de outros participantes, desferiu, por vezes, falas preconceituosas ou piadas referentes ao jeito de falar de uma participante nordestina, Juliette Freire, que, em uma das discussões, se sentiu ridicularizada e excluída, e até cogitou mudar seu jeito de falar.

Dentre as causas que geram o preconceito linguístico, a questão socioeconômica também é fator a ser pautado, pois ela está relacionada condição regional do indivíduo, que, muitas vezes, é estereotipada e atrelada a dificuldades da região em que se vive, a exemplo da baixa escolaridade. Nas telas, além do caso anteriormente citado, já vimos situações parecidas, em que personagens humorísticos são tratados com vários estereótipos, agregando diversos tipos de preconceito.

Um exemplo é a Adelaide, do programa humorístico Zorra Total, personagem de aparência bizarra, e pele negra, em cujo roteiro, há falas erradas em relação à norma padrão. Ela está longe de ser engraçada, pois trata-se de retrato criado por mentes racistas, para subjugar e inferiorizar pessoas, usando, como arma, sua condição, aparência, grau de escolaridade e situação socioeconômica.

Assim como em programas de grande audiência, esse tipo de ridicularização de pessoas, devido a suas características, ocorre diariamente fora das telas. A parte da sociedade que não está inserida no padrão visto como aceitável está sujeita a sofre com atitudes preconceituosas, por vezes se excluído, sendo excluída ou sentindo a necessidade de mudar algo que vem da sua raiz cultura, por achara que isso pode fazer com que haja aceitação dos demais.

Além disso, o preconceito linguístico está altamente ligado à liberdade de fala dos brasileiros, e, quando advindo das questões socioeconômicas, pode trazer graves consequências. Levando em consideração a dificuldade de acesso à educação formal de classes mais pobres, e sua variedade linguística, essa parcela da população pode, facilmente, ser excluída em seleções de emprego. Pode, ainda, receber atribuições de menor remuneração, que não permitem que tenham acesso a novas oportunidades. Desse modo, famílias inteiras permanecerão no ciclo da pobreza, sem perspectiva de mudança de classe social.

 

*Edição: Professor Mauricio Guilherme Silva Jr.