Um plano perfeito

Um plano perfeito

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Por Bianca Morais

Durante muitos anos a hora do parto era vista como um procedimento médico, obstetras eram formados para fazer o parto com intervenções cirúrgicas, com o pensamento de “quanto mais rápido, melhor”. Com o passar dos anos a cultura obstétrica passou por uma mudança, enxergou-se que não era necessário tudo aquilo, que dar a luz é uma missão natural da mulher, a hora do parto é sobre mãe e filho e que os médicos devem interferir da menor maneira possível, sendo a mulher a protagonista do seu momento.

O termo Parto Humanizado tem sido muito utilizado nos últimos tempos, se entende na ideia de um parto mais humano e acolhedor. Dentro do conjunto de procedimentos dessa humanização, entra o Plano de parto, um documento elaborado pela mulher, nele ela registra seus desejos e cuidados que quer receber nos momentos antes, durante e após parir.

O Jornal Contramão traz hoje a história de mulheres que fizeram o plano de parto e tiveram experiências incríveis e acima de tudo a autonomia delas.

O plano quase perfeito

A coordenadora de vendas, Nicole Fiorini, 34 anos, não conhecia sobre o plano de parto. Foi na sua primeira consulta ao obstetra, com três semanas de gestação, que tomou conhecimento sobre o assunto. Mãe de primeira viagem, ela escreveu todos os seus desejos no documento para que sua equipe médica seguisse todos os protocolos possíveis no momento que ela deu à luz ao pequeno Ivo. 

Nicole contou que tudo foi como planejado, exceto o desejo para que o pai do bebê cortasse o cordão umbilical que não foi realizado em função da cesariana. Ela teve o auxílio do marido e da doula na hora de redigir o documento e ressalta a importância desse planejamento. “O plano de parto assegura que a vontade da família seja respeitada e possibilita ter um histórico a mais sobre a chegada do bebê. Além disso, faz o casal refletir de forma prática sobre o momento do parto”, diz.

A mãe do Ivo teve um parto tranquilo e sem intercorrências, a mesma equipe médica que fez seu pré-natal, também conduziu sua cesária. Em seu plano de parto continha alguns pedidos, como: presença do acompanhante e doula ou enfermeira obstétrica, luzes rebaixadas e ar-condicionado desligado durante o nascimento do bebê, aleitamento materno em livre demanda e não usar complemento e medicamentos ao meu bebê sem nosso consentimento e explicação clara do motivo. 

E para as gestantes e tentantes ela deixa um recado sobre a importância do plano. “Você não vai poder responder por si durante o trabalho de parto, evite arrependimentos com um documento simples”, reforça.

Mãe e protagonista

Uma gravidez não planejada, um susto e um misto de emoções, foi assim a descoberta da gravidez de Bárbara Cabalzar. Até o terceiro mês de gestação a jovem não conhecia sobre o plano de parto, descobriu a existência desse documento ao seguir influenciadoras digitais. Ela contou à nossa equipe que fez um planejamento completo, contendo todas as suas vontades em relação aos procedimentos e decisões que deveriam ser tomadas durante o seu processo de dar a luz ao pequeno Bernardo. 

Sua escolha era um parto normal com analgesia e sem episiotomia (um procedimento cirúrgico que consiste em uma incisão no períneo — a região entre o ânus e a vagina — para facilitar a passagem do bebê.). Caso a evolução do parto normal não fosse possível, a cesariana era a segunda opção.

Bárbara não conseguiu ter parto normal, mas conta que as ações realizadas no centro cirúrgico foram de acordo com o seu planejamento. “Meu parto não saiu como o  meu primeiro desejo. Eu queria muito o  parto normal, só que não deu. Tentei a indução, mas mesmo assim, não foi adiante, a solução foi a cesária”, explica. Apesar da situação, ela garante que não se arrepende e que foi tudo como seu desejo e que sua obstetra deu todo o suporte necessário para que o momento fosse tranquilo e sem grandes intercorrências.

Ela reforça que o plano de parto é recomendado pelo Ministério da Saúde e que é um direito da mulher. “É uma proteção da lei e a gente vê casos horríveis de violência obstétrica de mães que não foram ouvidas e que sofreram durante o nascimento do filho. É importante garantir que elas tenham seus desejos e vontades preservados”, diz Bárbara. 

Influenciando parto humanizado

Giselle Souza é influenciadora digital e faz sucesso no Instagram postando sua rotina acompanhada de sua pequena Diana. Sua gravidez não foi nem um pouco planejada. “Foi um susto grande, mas é aquilo, quando você não se previne, não tem como vir um iphone, veio uma bebezinha”, brinca ela.

No início de sua gravidez, Giselle sofreu muito com enjoos e chegou a perder oito quilos. “Não conseguia comer nada direito, foi uma luta, achava que não ia passar, me odiava e odiava estar grávida, tudo aquilo não entrava na minha cabeça” desabafa a mãe.

Depois de alguns meses se acostumando com a ideia da gravidez que Giselle, de fato, foi se aprofundar no assunto e descobriu sobre o plano de parto. “Descobri na internet, seguindo doutoras e pessoas que falam de assuntos de maternidade, foi quando entrei de cabeça e procurei entender tudo aquilo que ia acontecer comigo, que me tornei mais segura, o meu medo foi embora”, diz ela.

Giselle fez algo muito importante que todas as mulheres que estão grávidas ou planejam engravidar devem fazer, estudar e muito sobre, o conhecimento é a melhor maneira de não ser pega de surpresa e ainda poder questionar o que não acha correto. 

“Muita gente duvidou, falou que eu estava doida por fazer um plano de parto, que isso não existe, que o hospital não ia aceitar, pois era pelo sus, e muito pelo contrário, eles me acolheram super bem”, relembra a influenciadora.

Uma das maiores preocupações de Giselle era o que poderia acontecer com ela, sua neném e seu corpo. “Nós mulheres temos tanto essa questão de meu corpo, minhas regras, e na gravidez que é algo que mexe totalmente com ele, deixamos nos levar pela opinião de outras pessoas, pelo que o médico nos induz a fazer, sem pesquisa e nem nada”, comenta ela.

Quando decidiu pelo seu plano de parto, Giselle, chegou ao médico sabendo tudo, eles conseguiram conversar melhor, ele entendia o que ela perguntava e ela todos aqueles termos médicos que ele falava.  

Para a influenciadora digital, o plano de parto é algo único, é sobre entender o parto, conhecer o hospital em que irá ganhar o bebê, ver o que ele oferece e baseado em todos os conhecimentos fazer o seu. 

“Muita gente não sabe, mas você pode visitar a maternidade onde irá parir, eu fiz isso, fui bem recebida no hospital da minha cidade, a equipe médica foi bacana comigo, eu vi cada sala, desde a porta pela qual entraria, onde eu iria ganhar a neném, e onde ficaria depois, ali eu fiquei muito tranquila porque sabia que quando chegasse a hora, ia ser um ambiente familiar”,  conta a mãe. 

Em seu plano de parto, Giselle colocou observações bem específicas, pediu para que o parto fosse induzido somente quando fosse necessário, pediu para comer, beber e andar, que ganhasse na posição que achasse confortável. 

“Tem uma coisa no meu plano de parto que até o médico estranhou, nele constava um pedido caso a minha bebe viesse a óbito. Não costumamos falar sobre a morte, é estranho falar, mas tudo ali é um pedido, não uma ordem, e eu pedi para que caso acontecesse eu tivesse um momento com ela”, diz ela.

Como nem sempre um plano sai conforme o planejado, Giselle acabou tendo uma mudança no seu, o tão sonhado parto normal para o qual ela estava preparada e estudada não aconteceu. “Durante o parto vemos o partograma, ele é um gráfico que acompanha o estágio do parto, eu percebia que com o passar das horas, toda vez que a médica vinha medir os batimentos cardíacos da minha broa, apelido carinhoso que dou a minha filha, ele diminuía cada vez mais”, complementa. 

Giselle começou a se preocupar e decidiu então, não pela dor e nem capricho, pois a mãe já havia ficado toda a noite em casa, não queria ir para o hospital, mesmo com as contrações esperava a hora certa, mas seu instinto materno fez com que desistisse do parto normal por preocupação com o que os batimentos cardíacos caindo que poderia prejudicar sua pequena.

“Mais do que o parto normal eu queria que ela nascesse na hora dela, que viesse na hora que tivesse que vir. Eu tive a contração, minha bolsa rompeu sozinha, eu passei por tudo e sim, essa era a hora dela, ela estava pronta, fiz a cesárea tranquilamente e não sinto arrependimento nenhum”, afirma. 

Giselle não é contra cesáreas, ela sabe que salva vidas, seu plano de parto foi seguido e apesar do procedimento, assim que sua filha veio ao mundo, ela foi direto para os braços da mãe e as duas tiveram sua ‘golden hour’, a primeira hora do neném no colo da mãe.

“Para toda gestante eu digo, pesquise sobre a gravidez, sobre o plano de parto, sobre o que vai acontecer com seu corpo, o que pode e o que não, sobre violência obstétrica, parto normal e cesárea, porque quanto mais a gente pesquisa menos da medo. Quem pari é só a mulher, é o nosso extinto”, conclui.

Já a Dra Denise Gomes, ginecologista e obstetra, responsável pelo Instagram @mamaeplena, compartilha com suas seguidoras assuntos ligados à saúde da mulher e à maternidade. Ela, em entrevista ao Contramão, traz detalhes sobre o plano de parto.

1 – Em termos médicos, o que é um plano de parto?

É um documento elaborado pela gestante no qual ela descreve todas as suas intenções a respeito do seu processo de parto, a ser apresentado para a equipe de profissionais que irá lhe atender durante o trabalho de parto e puerpério imediato.

2 – O que contém em um plano de parto?

Nele contém a identificação da paciente, do seu acompanhante, do serviço onde será o parto. Contém como a gestante deseja que seja o seu parto, qual a via de parto, quais mecanismos ela gostaria que fossem feitos no alívio da dor, quais ela gostaria de ser evitado. Quais procedimentos aceita e quais não. Como gostaria que fosse conduzido o cuidado do RN após o nascimento. 

3 – Quais profissionais podem fazer um plano de parto? 

O plano de parto deve ser feito pela gestante e pela sua rede de apoio que ela escolha. A equipe que prestará assistência ao parto (obstetra, enfermeiro, doula) pode ajudar a orientar o preenchimento do mesmo.

4 – Todas as mulheres podem ter um plano de parto? E quando ele deve ser feito?

Claro! Podem e Devem! O plano deve ser feito durante a gestação, recomendo que seja feito no terceiro trimestre da gestação.

5 – Qual a importância do plano de parto para a mulher e para o bebê?

Acredito que o plano de parto é um instrumento com algumas finalidades. Primeiro, traz muito conhecimento a respeito de todo o processo de parto para a gestante, pois para a sua execução ela acaba “estudando” um pouco sobre cada etapa do parto. Além disso, ele traz maior segurança para a mulher enfrentar esse processo e a coloca como protagonista do seu parto. Pode também fortalecer o vínculo da gestante com a equipe e/ou com o serviço que lhe prestará assistência. Sem falar que ajuda o bebê a nascer em um ambiente mais adequado e receber assistência na sua “hora de ouro do parto” que são de grande benefício para a sua vida.

6 – Nos últimos tempos temos visto muitas denúncias de violência obstétrica, existe alguma lei que denuncie um médico por não seguir o plano de parto escolhido pela paciente?

Não existe lei que “obrigue” o profissional a seguir o plano de parto, mas sim recomendação das Sociedades de Obstetrícia.

7 – Já aconteceu alguma situação em que você não conseguiu seguir o plano de parto? Como procedeu? Qual foi a reação da paciente?

Durante as minhas assistências de parto sempre procuro orientar muito tudo o que está acontecendo e busco a parceria da parturiente durante todo o momento. Por vezes posso indicar algum procedimento que não estava planejando, mas eu explico o porquê da indicação e seus benefícios, e só faço com seu consentimento. Nunca tive problemas, sempre chegamos juntas a melhor e mais saudável experiência possível para todos!

8 – Quais são as situações em que o plano de parto não acontece?

Normalmente quando existe risco de vida para a gestante ou o bebê.

9 – As mulheres podem mudar o plano na hora do parto?

Não é raro mudarem de opinião em momento de dor no parto ou por estarem fragilizadas ou com medo do processo. Sempre tentamos ouvir suas questões e atender suas necessidades, mas sempre tento lembrá-las das opções que tinham feito anteriormente. 

10 – Na sua opinião, qual a importância de um plano de parto?

O Plano de Parto torna toda a experiência de parto para a gestante e sua família mais tranquila, mais rica, mas respeitosa, mais completa, unindo nesse processo gestante e profissionais do parto, para com tudo isso reduzir intercorrências no parto e tornar cada nascimento único e inesquecível.

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