Ryan: a persistência que salvou 800 mil pessoas

Ryan: a persistência que salvou 800 mil pessoas

Neste último sábado, o Jornal Contramão entrevistou o canadense Ryan Hreljac, 23, fundador da ONG Ryan’s Well Foundation. Aos seis anos de idade, o garoto descobriu na escola a dificuldade que pessoas do continente africano tinham para conseguir água. Indignado com a situação, mesmo ainda sendo uma criança, resolveu tomar uma atitude para ajudar a vida daquelas pessoas.

Com a ajuda de uma professora, Ryan descobriu que a quantia necessária para perfurar um poço de água era de 70 dólares canadenses. Juntou o dinheiro que a mãe lhe pagou pelas tarefas de casa e foi até a WaterCan, ONG canadense responsável por perfurar poços no continente africano. Lá descobriu que para conseguir o seu objetivo seria necessário muito mais do que já tinha conseguido, cerca de 2000 dólares canadenses. Com a ajuda dos irmãos e amigos conseguiu arrecadar parte da quantia que precisava 700 dólares canadenses, e a Water se prontificou a juntar a outra parte.

Em 1999, o poço foi perfurado nas proximidades de uma escola primária, localizada no norte da Uganda. Já em 2001 foi criada a ONG que leva o nome do canadense (Ryan’ s Well Foundation), que já beneficiou mais de 800 mil pessoas. Atualmente Ryan viaja pelo mundo para arrecadar fundos e apoio para a instituição, além de conscientizar as pessoas sobre o uso da água subterrânea. E nessa semana o destino do canadense foi a capital mineira, onde está participando do XVIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas e conversou conosco sobre a iniciativa da infância, a ONG e a situação das águas em BH.

Contramão: O que te motivou a iniciar um projeto como esse?  

Ryan Hreljac: Bem, era um projeto simples que começou na escola. Fiquei sabendo que algumas pessoas não tinham água limpa e pensei que aquilo não era justo, pois eu tinha água potável na fonte da minha escola e outros meninos nem podiam ir para a escola porque não tinham água. Envolveu muito aprendizado e trabalho duro, mas chegou num ponto que consegui dinheiro suficiente para construir um poço. Depois disso a minha comunidade abraçou a ideia e mais tarde consegui fundar uma organização, que hoje tem mais de 800 poços diferentes, em 16 países pelo mundo, fornecendo água potável para cerca de 800.000 pessoas. Então, começou como algo pequeno e se tornou grande, graças a ajuda das pessoas no mundo todo.

Contramão: Quais foram as dificuldades enfrentadas ao longo do projeto?

R.H.: Foi difícil manter o projeto a todo vapor, porque quando tudo começou, eu tinha 6 anos e não tinha noção da dimensão do problema. Estava lidando com pessoas que não tem água e isso é uma questão complicada, mas ao mesmo tempo era de solução simples em alguns lugares como áreas portuárias, África, Canadá e algumas outras áreas, além de construir, era um trabalho de manter os poços limpos e a população informada sobre a sustentabilidade. Quando você tem os recursos para fazer isso, eu acho que o seu projeto tem grande impacto, ajudando crianças a irem a escola, pessoas a irem ao trabalho, como agricultores, por exemplo… ajudando a comunidade a crescer.

Contramão: Sabendo que você passou por vários países, algo mudou no propósito inicial da ONG?

R.H.: Meu primeiro objetivo era fornecer água potável para todo mundo, mas eu tinha 6 anos quando tive essa ideia e eu pensava que um poço seria capaz de fornecer água para o mundo inteiro, então eu não estava muito ciente, mas ao mesmo tempo, essa minha inocência ajudou a manter a ideia solida e o projeto acabou crescendo e se tornou algo muito bom.

Contramão: Como você fez para alimentar essa vontade de ajudar um povo que estava tão longe do Canadá?

R.H.: Bom quando eu tinha 6 anos, eu não tinha nada de especial, eu apenas tive essa ideia e sabia que ia precisava de dinheiro para executa-la. Meu professor ficou muito confuso porque eu não era o “aluno destacado” na sala, era um aluno normal que estava apenas… lá. Então eu acho que surpreendi os meus colegas quando eu comecei a campanha para angariação de fundos e comecei a fazer discursos noutras escolas próximas da minha. Eu apenas ia ate lá, com o sapato de cadarço solto e, sobretudo eu não era muito bem em discursos públicos, mas eu estava dando o meu melhor para conseguir algo. E eu penso que com isso, as pessoas pensaram “Bom, acho que esse rapaz pode fazer alguma coisa” e isso cresceu comigo. Essa é basicamente a história da Ryan’s Wells.

Contramão: A sua organização já beneficiou mais de 700 mil pessoas nos locais que visitou, número superior a população da Groenlândia e da Islândia, por exemplo. Como é saber que se, aos seis anos, não tivesse dado inicio a Ryan’s Well muita dessas pessoas poderiam não estar mais vivas?

R.H.: É mesmo? Eu não sabia que moravam pessoas nesses lugares…[risos]. Bom, eu acho que tudo acontece por algum motivo e primeiramente eu tive o privilegio de ter um professor que introduziu esse projeto e eu tive muito apoio nesse percurso, mas a maioria dessas coisas poderia acontecer de qualquer jeito.

Contramão: Em que momento, no seu projeto, você viu a necessidade de expandir a área que trabalhavam? Partir para outros países e intensificar o número de poços que faziam?

R.H.: Bom, quando eu tinha 7 anos, me falaram que um poço não seria suficiente para abastecer todo o mundo, então eu pensei que dois seriam suficientes. Depois disso eu apenas dei continuidade. Durante o processo de perfuração dos poços, nós vimos que era preciso construir mais poços, então chegou num ponto que ficou mais complexo. A gente trabalhava em 5 países, no momento e em cada um deles, a gente tentava fazer o melhor que podíamos, mas essencialmente eu estava tentando passar uma mensagem simples, que as pessoas e crianças poderiam ter água limpa, porque é importante, então a gente tentou focar nisso.

Contramão: O Brasil está passando por um período de estiagem enorme, algumas cidades já estão sem o fornecimento de água e estão em estado de calamidade pública. No que você aprendeu, viveu e conheceu, quais são os pontos que você levanta para um uso consciente e correto da água, não só no Brasil e na África, mas no mundo todo?

R.H.: Bom, eu acho que o mais importante relacionado ao problema da água, que não está acontecendo só no Brasil, mas na situação do problema em si, eu não acho que o mundo se deu conta da importância da água e acho que a coisa mais importante a fazer é lidar com esse problema politicamente, fazendo perguntas importantes aos políticos e conservar a água, você mesmo. Você pode descobrir muito rápido o quão importante a água é e fazer essas coisas antes da situação chegar nesse ponto. Então é uma questão a cuidados a ter com à água, garantir que as pessoas tomem decisões corretas e implementar regras e cuidados com os as reservas de água existentes.

Claro que é uma questão que envolve o mundo todo e não só o Brasil, mas especialmente em países em que você tem democracia, que você tem condições de falar e promover algo assim.

Contramão: Percebendo que as pessoas tem dificuldade em se conscientizar quanto ao uso da água, como você acredita que estará a situação da água no mundo daqui a cerca de dez anos?

R.H.: [Risos] Eu acho que é um processo lento. A mentalidade das pessoas não muda do dia para noite, mas eu acho que isso vai fazer parte das preocupações diárias de todo mundo, muito em breve, pois haverá regiões precisando de água, se não levarmos esse assunto a sério. Se as pessoas continuarem gastando mais água do que deveriam e não cuidarem dela, se tornará rapidamente. Então, daqui a 10 anos, acho que será quase uma obrigação cuidar da água.

Contramão: Além de perfurar poços para adquirir agua, a Fundação tem em mente criar outros projetos para prestar assistência a esses países? Quais outras necessidades básicas para a vida deveriam fazer parte de ONGs como a sua?

R.H.: Nós fazemos projetos envolvendo a água, abrimos poços, fazemos projetos sanitários em escolas, lavagem de estações e tanques conservatórios. Diferentes projetos envolvendo água e também projetos educacionais em escolas e fazemos o possível para incorporar essa questão da água nos mundo acadêmico e curricular. Nós temos um programa em nosso site, que auxilia os professores, como por exemplo, se um educador dá aulas de matemática ou ciências sociais, através desse programa, ele saberá como incorporar a questão da água durante as suas aulas. Então abrange também a parte educacional.

Existem muitos problemas nesse mundo, acho que nem preciso falar de todos eles [risos]. Até mesmo localmente, nacionalmente, internacionalmente, enfim… Não interessa onde você mora, tem sempre algo errado acontecendo. A questão da água me comoveu e cativou quando eu era criança, então eu resolvi me focar nele e tenho trabalhado como voluntário há 16 anos porque eu realmente me apaixonei por essa iniciativa. Eu acho que a coisa mais importante é que, quando você se sente apaixonado por alguma coisa, e não precisa ser necessariamente água, pode ser no meio ambiente, na sua comunidade, pode ser internacional, quando você faz algo pequeno é sempre bom, pois você nunca sabe o quão grande aquilo pode se tornar.

Contramão: No Brasil, não sei se em outros países também, as pessoas tem o hábito de lavar calçadas com água potável. Depois de ter conhecido locais onde as pessoas passam sede por não ter uma fonte de água, qual sentimento dá ao ver casos assim?

R.H.: Bem, é algo que eu diria que não é bom, mas a realidade é que o mundo todo usa a água de maneira irracional. No Canada, nós usamos água potável para varias tarefas e o mesmo acontece em outros países pelo mundo a fora. Acho que é uma questão de tempo até todos estarem cientes e acordarem para a realidade… E eu espero que todos acordem!

Contramão: Na sua opinião, qual a posição o governo do país deveria tomar numa situação como a que o Brasil tem vivido?

R.H.: Em nossos projetos, nós trabalhamos em várias regiões diferentes onde “o governo” são apenas pessoas que moram lá. É trabalhoso tentar envolver eles nessas questões, é realmente um processo complicado tentar explicar e convencê-los em relação a prioridades a ter com o problema da água, pois as pessoas se esquecem rapidamente, mas no final das contas é algo que realmente importa e faz falta para qualquer comunidade

Contramão : Algo mais que queria comentar?

R.H.: Para as pessoas interessadas em conhecer o projeto podem acessar o nosso site https://www.ryanswell.ca/ e enfim, nós estamos tentando arrecadar o máximo possível para continuar expandindo os nossos projetos.

Entrevista: Yuran Khan
Texto: Ítalo Lopes, Umberto Nunes
Foto: Umberto Nunes

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