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Membro do Fórum brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário Adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, Flávio Sapori, conversou com o Jornal Contramão sobre a Desmilitarização da Polícia Militar. Para Sapori, a discussão ideal não seria desmilitarizar e sim, unificar as polícias. Leia a entrevista.

Jornal Contramão – Dentre as principais demandas dos movimentos sociais está a desmilitarização da Polícia Militar. Para você, qual é o principal problema da militarização da PM?

Flávio Sapori – A bandeira da desmilitarização está tomando conta do debate nacional partindo da premissa que a estrutura militar seria incompatível com a democracia e os direitos humanos. Esta teoria induz o profissional a ser agressivo no exercício de sua função, ela forma profissionais que tendem a tratar o cidadão como inimigo. Isto explica de certa forma, o alto índice de letalidade da PM, que é uma das policias que mais mata no mundo. O profissional militar e formado pela lógica da guerra, e o combate ao crime deve ser pautado pela lógica comunitária, respaldado pelos direitos humanos e mais próximos do cidadão.

JC – Para além do combate ao crime, como seria a logística de desmilitarização da PM?

FS – Não mudaria nada, desmilitarizar na prática significaria retirar a vinculação da Polícia Militar de todo os estados brasileiros do regime militar, ou seja, eles deixariam de ser uma reserva do exército. Estes policias estão submetidos a um mesmo código militar, eles tem um código penal próprio, regulamentos próprios de aposentaria. Desmilitarizar significaria reestruturar toda a dinâmica dentro da polícia.

JC – E o combate ao crime, como ficaria?

FS – Este, no meu modo de ver, é que é o problema da discussão. Está maneira simplista de associar a cultura militar é que explica a violência do policial. No meu modo de ver a violência da policia está relacionada a uma cultura policial da violência. As duas policias no Brasil são violentas, vale lembrar que a tortura, o pau de arara, são práticas costumeiras da policia civil. Parece-me ingênuo atrelar a violência no combate ao crime à cultura militar ou civil, o fenômeno está ligado a um histórico de lidar com crime sem regras, sem limites, sem qualificação técnica adequada. O policial usa do seu conhecimento prático, ai a violência passa a ser um instrumento efetivo. Eu não acredito que a desmilitarização vai fazer a polícia ser menos violenta, que ela vai matar menos. Temos que tomar muito cuidado com esta discussão.

JC – Qual seria então a solução?

FS – Seria fundamental mexer nos regulamentos disciplinares das policias brasileiras. De maneira geral as policias militares brasileiras tem regulamentos muito draconianos, onde os oficiais tem poder de vida e de morte sobre os praças, isto tem que acabar, o que o código militar de Minas Gerais já faz em certa medida. Os praças hoje em Minas gozam de direitos de defesa que não há precedentes em outras polícias militares do país. O que precisaria fazer é diminuir o grau de militarização da polícia, diminuir a militarização na formação, retirá-los da vinculação do código penal militar, da justiça militar.

JC – Sobre a PEC-51, que visa à integração da polícia, o que você tem a dizer?

FS – Ao meu modo de ver, a discussão sobre desmilitarizar fica no campo de medidas paliativas. No meu modo de ver o maior problema é a divisão entre polícia ostensiva e polícia investigativa, a divisão entre Polícia Militar e Polícia Civil. Criar uma polícia de ciclo completo, quando a mesma polícia teria uma ação ostensiva e investigativa. Eu não acredito em integração, as duas polícias são muito diferentes e a competição entre elas é muito grande.

Talvez se falar em unificação, criando uma nova polícia, única para todos os Estados, ou então atribuir a função ostensiva e investigativa as duas polícias. Esta me parece à discussão mais plausível como pode viabilizar uma polícia de ciclo completo. A discussão sobre desmilitarizar me parece secundária, neste momento.

Texto: Alex Bessas e João Vitor Fernandes

Foto: João Alves

A 8ª CineBH – Mostra internacional de cinema e 5º Brasil CineMundi foi aberta na noite de quinta-feira, 16, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A noite de estreia apresentou o longa-metragem “Deserto Azul”, do mineiro Éder Santos. O diretor subiu ao palco com toda sua equipe de produção, incluindo os atores Odilon Esteves e Chico Diaz, protagonistas do filme.

Durante a apresentação, Éder pediu para que todos deixassem os celulares ligados. Sua equipe montou quatro redes de wifi com o nome do filme e distribuíram um código para que pudessem digitar. Durante a projeção, o público pôde obter informações adicionais sobre o que estava sendo exibido, criando assim, uma forma de interação entre os espectadores e o filme em exibição.

O cineasta argentino Santiago Loza, foi surpreendido antes da sessão. A produção preparou uma singela homenagem. “Faço filmes pequenos, muito pessoais e intimistas, não esperava por isso, não imaginava que meus filmes seriam tão reconhecidos”, comentou Loza. A programação aprensenta uma retrospectiva pela carreira  do cineasta.

A sexta-feira, 17, começou agitada no Palácio das Artes. Com 21 convidados internacionais, o 5º Brasil CineMundi – International Coproduction Meeting apresentou uma série de seminários e debates. Entre os temas, “Mercado Audiovisual Brasileiro – Políticas Públicas, Avanços e Perspectivas”, contou com a presença de representantes da Ancine, SAV (Secretaria do Audiovisual) e ABTIV (Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão), com mediação do crítico e jornalista Pedro Butcher, no qual debateram diretrizes públicas, ações de intercâmbio e coprodução do audiovisual brasileiro.

Santiago Loza apresentou uma masterclass onde relembrou toda a sua carreira, que passa pelo cinema, literatura e teatro. O crítico mais aguardado da CineBH e Brasil CineMundi foi Tag Gallagher, que também ministrou uma masterclass. Tag, é conhecido no meio do audiovisual como um dos maiores nomes da crítica cinematográfica em atividade, mas ninguém conhecia o rosto dele, nem a produção, nem seus próprios admiradores.

A CineBH e Brasil CineMundi se estende até dia 23 de outubro. Filmes, seminários e oficinas são gratuitos.

Mais informações: https://www.cinebh.com.br/

Por Lívia Tostes

Uma batalha de rimas, a disseminação da cultura do Hip hop em BH, o Duelo de MC’s será nesse sábado, 18, a partir das 14h, na Praça 7 de Setembro, no centro da capital mineira. Após todas as complicações que os organizadores do evento enfrentaram na Prefeitura de BH com a liberação dos alvarás de funcionamento e a isenção dos impostos, o duelo acontecerá mais uma vez, e estará arrecadando fundos para a disputa nacional desse ano.

Iniciado há sete anos, o duelo acontecia toda sexta-feira no Viaduto Santa Tereza, no baixo centro de BH. Entretanto, no início do ano, a Prefeitura de Belo Horizonte fechou-o para implantação do Circuito de Esportes Radicais Santa Tereza e recuperação estrutural do viaduto.

Desde então o duelos aconteciam em espaços públicos da capital, como forma de protesto à prefeitura por não ter cedido um novo lugar para o evento e pela isenção dos impostos cobrados para a realização dele. “A prefeitura cobra uma taxa de 0,85 centavos, se não me engano, por metro quadrado pelo uso do espaço, fora a questão dos banheiros, da segurança, sei que dá mais ou menos uns 600 reais que não temos condições de pagar, pois o duelo acontece de forma independente e gratuita”, explicou Izabela Egídio, 22, colaboradora do coletivo Família de Rua que organiza o duelo.

Importancia cultural

O duelo de MC’s em BH foi o primeiro evento que apoiou a cultura Hip Hop na capital. Iniciado na Praça da Estação em 2007, o evento era uma pequena reunião de amigos que faziam suas rimas. Ao passar do tempo, foi-se ganhando destaque e notoriedade tanto na qualidade da produção quando na importância para o reconhecimento da cultura urbana na capital.

A cada duelo, mais gente se agregava ao movimento, com isso não era mais possível fazê-lo na praça. Então o movimento migrou para o vão do Viaduto Santa Tereza onde fez sua casa. O local, antes, era conhecido como um ponto de uso de drogas, o movimento do Duelo transformou o ambiente. “Muitos no início não tinham noção do que estava acontecendo ali, mas aos poucos começaram a também ser parte daquilo”, contou Trax Machado, 20, estudante de Produção Multimídia.

O Duelo ganhou uma enorme proporção e foi agregando gente sempre que acontecia. Intensificou-se o movimento e gente de todos os cantos de BH participavam. “É gente de todas as classes sociais, etnias e crenças, que estão juntos no mesmo lugar se respeitando. O encontro não é só de MC’s, o encontro é feito de gente do bem e que tem em comum o rap e a diversidade”, ressalta Julia Portuense, 23, estudante de jornalismo.

Infelizmente não são todos que veem a importância cultura do Duelo. “Eu vejo o duelo como uma ligação entre a galera do morro e do asfalto. Infelizmente rola um preconceito”, contou o estudante Lucas Silva, 21. Entretanto, o movimento falou mais alto e permaneceu, sendo um percursor dos movimentos culturais da capital mineira. “Depois do Duelo diversas mobilizações urbanas surgiram, e no meu ponto de vista ele foi um divisor de águas”, ressaltou Trax Machado. “Existe BH antes e depois do Duelo de MC’s. Hoje temos mobilizações culturais de todos os tipos, gostos, em locais e horários diversos rolando na cidade”, acrescentou o estudante.

O duelo nacional

Esse ano ainda está em projeto o Duelo de MC’s Nacional 2014. Uma batalha entre rimadores de oito estados do Brasil (Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal) que vão se reuinir em Belo Horizonte para a disputa. O vencedor leva o título de Melhor MC Improvisador da Cultura Hip Hop e o prêmio de R$ 5 mil. O evento ainda não teve a data divulgada. A arrecadação de fundos para a disputa nacional está acontecendo de forma coletiva. A data do duelo será divulgada assim que a meta dos R$ 25 mil necessários para a realização seja atingida.

Amanhã, 18, ocorrerá mais uma edição do Duelo na Praça 7 de Setembro, no centro de BH. A disputa começa às 14h. Ao final do duelo será sorteado um Kit Cultural, uma rifa no valor de R$ 5,00 para ajudar na arrecadação de fundos para a competição, e no dia 02 de novembro, os organizadores realizarão “Uma Batalha De Todos Nós”, na Casa de Shows Granfinos (Av. Brasil, 326. Santa Efigênia, Belo Horizonte).

Saiba mais sobre o Duelo e sobre a organização da competicação nacional em: https://www.catarse.me/pt/duelodemcsnacional.

Texto: Umberto Nunes

Foto: Divulgação.

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Desde quando o transporte público foi implantado nas cidades, sempre houveram reclamações. Com o uso da internet, a insatisfação com os ônibus parece que dobrou de tamanho. É cada vez mais comum internautas criarem blogs abertos para que outras pessoas possam dar suas devidas opiniões sobre aquela determinada linha de ônibus ou serviço.

Com o avanço tecnológico, as pessoas postam nas redes sociais suas insatisfações e destacam no twitter os problemas com o transporte público. Para Patrícia Cruz, criadora da fanpage “Patricía não se move”, o estopim para criar uma página no facebook relacionada ao tema foi quando o Viaduto dos Guararapes caiu. “Há quanto tempo as pessoas reclamavam daquela obra. No final o que aconteceu? Elas estavam certas e ninguém deu atenção. Desde 2005, quando começou a trincheira eleitoreira do Pimentel, que as obras na Antônio Carlos não pararam. São nove anos nos quais ficamos presos em meio a obras, para no final, perdemos duas vidas sem sentido algum. Dinheiro, energia, tempo das nossas vidas e no fim, qualquer morador da minha região poderia estar embaixo daquele viaduto”, desabafa.

As atualizações no “Patrícia não se move” são feitas diariamente e com fotos em tempo real. De acordo com Patrícia, algumas pessoas não gostam de ser fotografadas mas isso não é empecilho, uma vez que ela tenta trocar o ângulo da imagem.

Para chegar a tempo no trabalho, Patrícia sai de sua casa no 617-Piratininga, desce na Pedro I e embarca no 65-Direto, desce na Estação Tamoios e pega o 66-Hospitais. O caminho é cansativo, mas segundo ela, se pegar outras linhas de ônibus, ela gasta mais tempo dentro do coletivo.

De acordo com a criadora do “Patrícia não se move”, a desconsideração da nova plataforma de transporte coletivo, o MOVE, o desrespeito com o passageiro é imenso. “Idosos, deficientes e pessoas com crianças pequenas não tem vez. Escadas rolantes e elevadores da Pampulha ora estão com defeito, ora estão desligados mesmo. As roletas não suficientes para o horário de pico e longas filas são uma realidade. Quando chove tudo alaga e é um Deus nos acuda para embarcar sem tomar banho antes. A Estação está sendo construída e me dá náuseas quando escuto que apenas 20% dela estaria a ser concluída. E o melhor de tudo: ar condicionado não é ligado e tenho vários protocolos de reclamação disso”, desabafa. Além dessas reclamações, para dar um toque de humor em todo o caso, Patrícia afirma que a PBH criou um novo programa, o “Move reduz peso da população”, visto que, o passageiro corre, viaja em pé, corre de novo, entra na fila da roleta interna, corre novamente, entra na fila do Move, viaja em pé, corre para embarcar no segundo ônibus, e quem sabe no terceiro. Para ela, os especialistas estão certos em dizer que apenas 30 minutos de caminhada para manter a pressão controlada.

Por: Luna Pontone
Foto: Retirada da fanpage Patricia não se move

Neste último sábado, o Jornal Contramão entrevistou o canadense Ryan Hreljac, 23, fundador da ONG Ryan’s Well Foundation. Aos seis anos de idade, o garoto descobriu na escola a dificuldade que pessoas do continente africano tinham para conseguir água. Indignado com a situação, mesmo ainda sendo uma criança, resolveu tomar uma atitude para ajudar a vida daquelas pessoas.

Com a ajuda de uma professora, Ryan descobriu que a quantia necessária para perfurar um poço de água era de 70 dólares canadenses. Juntou o dinheiro que a mãe lhe pagou pelas tarefas de casa e foi até a WaterCan, ONG canadense responsável por perfurar poços no continente africano. Lá descobriu que para conseguir o seu objetivo seria necessário muito mais do que já tinha conseguido, cerca de 2000 dólares canadenses. Com a ajuda dos irmãos e amigos conseguiu arrecadar parte da quantia que precisava 700 dólares canadenses, e a Water se prontificou a juntar a outra parte.

Em 1999, o poço foi perfurado nas proximidades de uma escola primária, localizada no norte da Uganda. Já em 2001 foi criada a ONG que leva o nome do canadense (Ryan’ s Well Foundation), que já beneficiou mais de 800 mil pessoas. Atualmente Ryan viaja pelo mundo para arrecadar fundos e apoio para a instituição, além de conscientizar as pessoas sobre o uso da água subterrânea. E nessa semana o destino do canadense foi a capital mineira, onde está participando do XVIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas e conversou conosco sobre a iniciativa da infância, a ONG e a situação das águas em BH.

Contramão: O que te motivou a iniciar um projeto como esse?  

Ryan Hreljac: Bem, era um projeto simples que começou na escola. Fiquei sabendo que algumas pessoas não tinham água limpa e pensei que aquilo não era justo, pois eu tinha água potável na fonte da minha escola e outros meninos nem podiam ir para a escola porque não tinham água. Envolveu muito aprendizado e trabalho duro, mas chegou num ponto que consegui dinheiro suficiente para construir um poço. Depois disso a minha comunidade abraçou a ideia e mais tarde consegui fundar uma organização, que hoje tem mais de 800 poços diferentes, em 16 países pelo mundo, fornecendo água potável para cerca de 800.000 pessoas. Então, começou como algo pequeno e se tornou grande, graças a ajuda das pessoas no mundo todo.

Contramão: Quais foram as dificuldades enfrentadas ao longo do projeto?

R.H.: Foi difícil manter o projeto a todo vapor, porque quando tudo começou, eu tinha 6 anos e não tinha noção da dimensão do problema. Estava lidando com pessoas que não tem água e isso é uma questão complicada, mas ao mesmo tempo era de solução simples em alguns lugares como áreas portuárias, África, Canadá e algumas outras áreas, além de construir, era um trabalho de manter os poços limpos e a população informada sobre a sustentabilidade. Quando você tem os recursos para fazer isso, eu acho que o seu projeto tem grande impacto, ajudando crianças a irem a escola, pessoas a irem ao trabalho, como agricultores, por exemplo… ajudando a comunidade a crescer.

Contramão: Sabendo que você passou por vários países, algo mudou no propósito inicial da ONG?

R.H.: Meu primeiro objetivo era fornecer água potável para todo mundo, mas eu tinha 6 anos quando tive essa ideia e eu pensava que um poço seria capaz de fornecer água para o mundo inteiro, então eu não estava muito ciente, mas ao mesmo tempo, essa minha inocência ajudou a manter a ideia solida e o projeto acabou crescendo e se tornou algo muito bom.

Contramão: Como você fez para alimentar essa vontade de ajudar um povo que estava tão longe do Canadá?

R.H.: Bom quando eu tinha 6 anos, eu não tinha nada de especial, eu apenas tive essa ideia e sabia que ia precisava de dinheiro para executa-la. Meu professor ficou muito confuso porque eu não era o “aluno destacado” na sala, era um aluno normal que estava apenas… lá. Então eu acho que surpreendi os meus colegas quando eu comecei a campanha para angariação de fundos e comecei a fazer discursos noutras escolas próximas da minha. Eu apenas ia ate lá, com o sapato de cadarço solto e, sobretudo eu não era muito bem em discursos públicos, mas eu estava dando o meu melhor para conseguir algo. E eu penso que com isso, as pessoas pensaram “Bom, acho que esse rapaz pode fazer alguma coisa” e isso cresceu comigo. Essa é basicamente a história da Ryan’s Wells.

Contramão: A sua organização já beneficiou mais de 700 mil pessoas nos locais que visitou, número superior a população da Groenlândia e da Islândia, por exemplo. Como é saber que se, aos seis anos, não tivesse dado inicio a Ryan’s Well muita dessas pessoas poderiam não estar mais vivas?

R.H.: É mesmo? Eu não sabia que moravam pessoas nesses lugares…[risos]. Bom, eu acho que tudo acontece por algum motivo e primeiramente eu tive o privilegio de ter um professor que introduziu esse projeto e eu tive muito apoio nesse percurso, mas a maioria dessas coisas poderia acontecer de qualquer jeito.

Contramão: Em que momento, no seu projeto, você viu a necessidade de expandir a área que trabalhavam? Partir para outros países e intensificar o número de poços que faziam?

R.H.: Bom, quando eu tinha 7 anos, me falaram que um poço não seria suficiente para abastecer todo o mundo, então eu pensei que dois seriam suficientes. Depois disso eu apenas dei continuidade. Durante o processo de perfuração dos poços, nós vimos que era preciso construir mais poços, então chegou num ponto que ficou mais complexo. A gente trabalhava em 5 países, no momento e em cada um deles, a gente tentava fazer o melhor que podíamos, mas essencialmente eu estava tentando passar uma mensagem simples, que as pessoas e crianças poderiam ter água limpa, porque é importante, então a gente tentou focar nisso.

Contramão: O Brasil está passando por um período de estiagem enorme, algumas cidades já estão sem o fornecimento de água e estão em estado de calamidade pública. No que você aprendeu, viveu e conheceu, quais são os pontos que você levanta para um uso consciente e correto da água, não só no Brasil e na África, mas no mundo todo?

R.H.: Bom, eu acho que o mais importante relacionado ao problema da água, que não está acontecendo só no Brasil, mas na situação do problema em si, eu não acho que o mundo se deu conta da importância da água e acho que a coisa mais importante a fazer é lidar com esse problema politicamente, fazendo perguntas importantes aos políticos e conservar a água, você mesmo. Você pode descobrir muito rápido o quão importante a água é e fazer essas coisas antes da situação chegar nesse ponto. Então é uma questão a cuidados a ter com à água, garantir que as pessoas tomem decisões corretas e implementar regras e cuidados com os as reservas de água existentes.

Claro que é uma questão que envolve o mundo todo e não só o Brasil, mas especialmente em países em que você tem democracia, que você tem condições de falar e promover algo assim.

Contramão: Percebendo que as pessoas tem dificuldade em se conscientizar quanto ao uso da água, como você acredita que estará a situação da água no mundo daqui a cerca de dez anos?

R.H.: [Risos] Eu acho que é um processo lento. A mentalidade das pessoas não muda do dia para noite, mas eu acho que isso vai fazer parte das preocupações diárias de todo mundo, muito em breve, pois haverá regiões precisando de água, se não levarmos esse assunto a sério. Se as pessoas continuarem gastando mais água do que deveriam e não cuidarem dela, se tornará rapidamente. Então, daqui a 10 anos, acho que será quase uma obrigação cuidar da água.

Contramão: Além de perfurar poços para adquirir agua, a Fundação tem em mente criar outros projetos para prestar assistência a esses países? Quais outras necessidades básicas para a vida deveriam fazer parte de ONGs como a sua?

R.H.: Nós fazemos projetos envolvendo a água, abrimos poços, fazemos projetos sanitários em escolas, lavagem de estações e tanques conservatórios. Diferentes projetos envolvendo água e também projetos educacionais em escolas e fazemos o possível para incorporar essa questão da água nos mundo acadêmico e curricular. Nós temos um programa em nosso site, que auxilia os professores, como por exemplo, se um educador dá aulas de matemática ou ciências sociais, através desse programa, ele saberá como incorporar a questão da água durante as suas aulas. Então abrange também a parte educacional.

Existem muitos problemas nesse mundo, acho que nem preciso falar de todos eles [risos]. Até mesmo localmente, nacionalmente, internacionalmente, enfim… Não interessa onde você mora, tem sempre algo errado acontecendo. A questão da água me comoveu e cativou quando eu era criança, então eu resolvi me focar nele e tenho trabalhado como voluntário há 16 anos porque eu realmente me apaixonei por essa iniciativa. Eu acho que a coisa mais importante é que, quando você se sente apaixonado por alguma coisa, e não precisa ser necessariamente água, pode ser no meio ambiente, na sua comunidade, pode ser internacional, quando você faz algo pequeno é sempre bom, pois você nunca sabe o quão grande aquilo pode se tornar.

Contramão: No Brasil, não sei se em outros países também, as pessoas tem o hábito de lavar calçadas com água potável. Depois de ter conhecido locais onde as pessoas passam sede por não ter uma fonte de água, qual sentimento dá ao ver casos assim?

R.H.: Bem, é algo que eu diria que não é bom, mas a realidade é que o mundo todo usa a água de maneira irracional. No Canada, nós usamos água potável para varias tarefas e o mesmo acontece em outros países pelo mundo a fora. Acho que é uma questão de tempo até todos estarem cientes e acordarem para a realidade… E eu espero que todos acordem!

Contramão: Na sua opinião, qual a posição o governo do país deveria tomar numa situação como a que o Brasil tem vivido?

R.H.: Em nossos projetos, nós trabalhamos em várias regiões diferentes onde “o governo” são apenas pessoas que moram lá. É trabalhoso tentar envolver eles nessas questões, é realmente um processo complicado tentar explicar e convencê-los em relação a prioridades a ter com o problema da água, pois as pessoas se esquecem rapidamente, mas no final das contas é algo que realmente importa e faz falta para qualquer comunidade

Contramão : Algo mais que queria comentar?

R.H.: Para as pessoas interessadas em conhecer o projeto podem acessar o nosso site https://www.ryanswell.ca/ e enfim, nós estamos tentando arrecadar o máximo possível para continuar expandindo os nossos projetos.

Entrevista: Yuran Khan
Texto: Ítalo Lopes, Umberto Nunes
Foto: Umberto Nunes

Contextualizando com o atual cenário da cidade de Belo Horizonte, começou no dia 11 de outubro a exposição  “Venha conhecer o fundo do poço – De onde vem a água que você bebe”, na Praça da Liberdade. Além da exposição, será realizado o XVIII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, que conta com a participação do canadense Ryan Hreljac, fundador da ONG Ryan’s Well Foundation.

A exposição da praça mostra para os visitantes como funciona o ciclo hidrológico, além de curiosidades sobre o consumo de água para produção de alguns materiais, como cerca de 200 litros para fabricação de 1 jeans. Junto ao ponto de exposição está também o Cleanit-LC, um equipamento de purificação de água de poços artesianos, que procura tirar da água o cromo hexavalente, um agente cancerígeno que pode estar na água desses poços.

O engenheiro mecânico e expositor Anthony Gladek, 52, falou sobre o produto e explicou que o período de estiagem que algumas cidades vem passando tem pouco a ver com os lençóis freáticos e mais com o modo como nós usamos á agua. O modo impensado como a população usa e o crescimento populacional são fatores agravantes, mas ainda há mais elementos causadores da atual situação. Segundo ele, a cidade cresce e ninguém faz nada. “Se a agricultura continuar a pensar só em produtividade a agua vai acabar”, afirmou Gladek.

Como funciona o Cleanit-LC?

A água provinda dos poços artesianos, em alguns casos, pode estar contaminada com cromo hexavalente, sendo essa a forma mais oxidada que existe do elemento. O equipamento funciona como um filtro inicial que remove esse agente cancerígeno. O processo, de forma mais simplificada, funciona passando a água por um tubo com ferro não-valente.

Quando o ferro é adicionado à água e então misturado, atrai o cromo. Ao entrarem em contato, o cromo adere à superfície do ferro e os dois elementos viram uma substância maior que não consegue passar pelo filtro. Assim, quando a água sai do tubo, estará livre do cromo. O ferro não-valente também é uma substância de superfície porosa. Assim, ao se misturar a água com o ferro, as outras substâncias que entram em contato também aderem a sua superfície graças aos poros. Então, no resultado final, a água estará mais limpa. Entretanto, isso não isenta o produto final da necessidade de passar por todo o processo de filtração do saneamento básico.

Dos eventos

A exposição “Venha Conhecer o Fundo do Poço – De Onde Vem a Água Que Você Bebe?” ficará na Praça da Liberdade, região centro-sul de BH, até dia 19. O 18º Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas terá incio nessa terça-feira,

14, indo até essa sexta-feira, 17. O canadense Ryan Hreljac, fundador da Ryan’s Well Fundation, estará no congresso dando palestra sobre o uso da água e em uma coletiva de impressa na quarta-feira, 15, com tradutor simultâneo para auxiliar na comunicação com o jovem.

Texto: Ítalo Lopes e Umberto Nunes

Fotos: Umberto Nunes